Neste final de semana um incêndio de relevo assustou Roma. A notícia foi veiculada nos meios de comunicação. Em vários países, e penso que também no Brasil, alguém deve ter dito: isso foi um incêndio criminoso! Logo, esse popular afastou a possibilidade de punição objetiva pelo direito penal, mesmo sem conhecer uma das facetas do princípio da culpabilidade. E fez muito bem, pois apenas é possível punir penalmente uma ação dolosa ou, nos casos expressos em lei, uma ação culposa.
Quando escutamos essa expressão “incêndio criminoso” quase sempre a relacionamos com a conduta do agente que destrói a própria coisa para obtenção do valor do seguro e de seu comportamento resulta fogo com grandes proporções. Geralmente é essa a conclusão do aluno de direito penal. Mas certa noite um discente questionou como distinguir o crime de incêndio com o intuito de obtenção de vantagem econômica em proveito próprio (art. 250, § 1º, I, CP) do crime de fraude para recebimento do valor de seguro (art. 171, § 2º, V, CP)?
Comecei por sustentar que essa pergunta envolve dois institutos de grande relevância no direito penal: o concurso aparente de normas e o concurso de crimes. Haveria uma diferença entre eles? Certamente. Na primeira situação há duas normas vigentes e só um crime, ao passo que no segundo casos existem dois ou mais crimes. Neste há uma relação fato-tipo e naquele uma relação tipo-tipo. Sem querer me livrar da pergunta fiz outra: em sua proposição há concurso aparente de normas ou concurso de crimes?
O aluno entendeu pela primeira opção, porque havia consultado algumas obras e é esse o posicionamento majoritário. Mas comentou que Nelson Hungria, por exemplo, entendia de forma diversa. Aí tomei a palavra, bem ou mal, não sei. Expus o raciocínio do maior penalista brasileiro para depois tecer algumas considerações.
Para Hungria, “se o agente viesse a receber a indenização ou o valor do seguro, haveria concurso material de crimes: o crime de perigo comum (qualificado ou não) e o crime de estelionato em seu tipo fundamental, porquanto se apresentam duas ações distintas, uma lesiva da incolumidade pública e outra do patrimônio alheio” (in Comentários ao Código Penal. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 239).
Primeiro: não há crime qualificado de incêndio, mas sim crime de incêndio com causas de aumento de pena. Penso ser importante o rigor com a terminologia. Mas há outras considerações que julgo mais interessantes.
Segundo: a intenção do agente é destruir coisa própria, e especifica-se pelo fim de obter indenização ou valor do seguro. É esta circunstância que diferencia o crime do art. 171, § 2º, V, do Estatuto Penal da sua forma simples prevista no caput do mesmo dispositivo (estelionato), pois enquanto este é delito material, aquele é crime formal.
Terceiro: como a consumação do delito contra o patrimônio ocorre independentemente da obtenção do prêmio, o seu recebimento representará simples exaurimento do delito e não um fator hábil a ensejar sua responsabilização pela forma simples de estelionato (art. 171, CP).
Quarto: se existisse alguma espécie de concurso esse seria formal e não material, pois da mesma conduta resultaram dois crimes.
Quando escutamos essa expressão “incêndio criminoso” quase sempre a relacionamos com a conduta do agente que destrói a própria coisa para obtenção do valor do seguro e de seu comportamento resulta fogo com grandes proporções. Geralmente é essa a conclusão do aluno de direito penal. Mas certa noite um discente questionou como distinguir o crime de incêndio com o intuito de obtenção de vantagem econômica em proveito próprio (art. 250, § 1º, I, CP) do crime de fraude para recebimento do valor de seguro (art. 171, § 2º, V, CP)?
Comecei por sustentar que essa pergunta envolve dois institutos de grande relevância no direito penal: o concurso aparente de normas e o concurso de crimes. Haveria uma diferença entre eles? Certamente. Na primeira situação há duas normas vigentes e só um crime, ao passo que no segundo casos existem dois ou mais crimes. Neste há uma relação fato-tipo e naquele uma relação tipo-tipo. Sem querer me livrar da pergunta fiz outra: em sua proposição há concurso aparente de normas ou concurso de crimes?
O aluno entendeu pela primeira opção, porque havia consultado algumas obras e é esse o posicionamento majoritário. Mas comentou que Nelson Hungria, por exemplo, entendia de forma diversa. Aí tomei a palavra, bem ou mal, não sei. Expus o raciocínio do maior penalista brasileiro para depois tecer algumas considerações.
Para Hungria, “se o agente viesse a receber a indenização ou o valor do seguro, haveria concurso material de crimes: o crime de perigo comum (qualificado ou não) e o crime de estelionato em seu tipo fundamental, porquanto se apresentam duas ações distintas, uma lesiva da incolumidade pública e outra do patrimônio alheio” (in Comentários ao Código Penal. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 239).
Primeiro: não há crime qualificado de incêndio, mas sim crime de incêndio com causas de aumento de pena. Penso ser importante o rigor com a terminologia. Mas há outras considerações que julgo mais interessantes.
Segundo: a intenção do agente é destruir coisa própria, e especifica-se pelo fim de obter indenização ou valor do seguro. É esta circunstância que diferencia o crime do art. 171, § 2º, V, do Estatuto Penal da sua forma simples prevista no caput do mesmo dispositivo (estelionato), pois enquanto este é delito material, aquele é crime formal.
Terceiro: como a consumação do delito contra o patrimônio ocorre independentemente da obtenção do prêmio, o seu recebimento representará simples exaurimento do delito e não um fator hábil a ensejar sua responsabilização pela forma simples de estelionato (art. 171, CP).
Quarto: se existisse alguma espécie de concurso esse seria formal e não material, pois da mesma conduta resultaram dois crimes.
Quinto: o fim especial que motiva o agente – obter a vantagem econômica – também está previsto no art. 250, § 1º, do Código Penal, mas que se diferencia daquele (art. 171, § 2º, V) porque a destruição da coisa própria é realizada por meio apto, por si só, a gerar perigo comum. Logo, diríamos que aquela norma é especialíssima quando relacionada a esta norma. E sabemos que o imaginário conflito pode ser resolvido por meio do princípio da especialidade (perigo comum é o elemento especial).
Sexto: quando se fala em incolumidade pública, “expressão tão sonora quanto vazia de sentido”, como já descreveu em debate virtual o colega Gustavo Quandt, o bem jurídico individual (nesse caso o patrimônio) está protegido num âmbito coletivo pelo aumento de pena imposto ao crime de incêndio. Logo, não há dois bens jurídicos envolvidos. Do contrário, não haveria razão para existir o aumento e seria possível falar em concurso de crimes, como também sustentam Nucci e Delmanto, por exemplo. Em síntese, a ofensividade ao patrimônio está representada pela majoração da pena.
Na sala convenci o aluno. Não sei se pela explicação ou pela relação de respeito do aluno com o professor. É, realmente as dúvidas são importantes. Boa semana a todos.
Sexto: quando se fala em incolumidade pública, “expressão tão sonora quanto vazia de sentido”, como já descreveu em debate virtual o colega Gustavo Quandt, o bem jurídico individual (nesse caso o patrimônio) está protegido num âmbito coletivo pelo aumento de pena imposto ao crime de incêndio. Logo, não há dois bens jurídicos envolvidos. Do contrário, não haveria razão para existir o aumento e seria possível falar em concurso de crimes, como também sustentam Nucci e Delmanto, por exemplo. Em síntese, a ofensividade ao patrimônio está representada pela majoração da pena.
Os posts são muitos bons. Vou acompanhar o blog e continuar lendo-o.
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