Trabalhar o direito penal com grande abertura de perspectiva e de horizonte, desperto para os axiomas fundamentais do discurso jurídico, as premissas político-criminais e o compromisso com o mundo e a vida.
sexta-feira, 10 de julho de 2009
Art. 140, § 3º, CP e art. 20 da Lei n. 7.716/89
É inegável, "embora as dificuldades de associação à primeira vista" (Albin Eser), que o desporto assumiu relevância singular para o direito penal. Uma de suas conexões, que nem Popeye esperava, diz respeito à configuração ou não de algum delito quando, especialmente no futebol, um jogador chama seu adversário de macaco (alusão ao fato deste ser negro). E isso foi o que ocorreu - já vai duas semanas - na partida entre Cruzeiro e Grêmio pela Copa Libertadores da América. Na situação, o atleta do clube mineiro afirmou que um jogador gremista o chamou de "macaco". Há crime?
Com isso começa novo jogo: injúria qualificada (art. 140, § 3º, do CP) X racismo (art. 20 da Leo n. 7.716/89).
Embora as idênticas consequências criminais - reclusão de um a três anos - os efeitos jurídicos dos crimes são diversos. No primeiro a ação penal tão-somente é iniciada por vontade do ofendido. É injusto culpável prescritível e afiançável. No segundo ilícito independe-se da vontade da vítima para o início da persecução criminal e, por imperativo constitucional, é crime imprescritível e também inafiançável nas hipóteses de prisão em flagrante. Então, como proceder à distinção entre os dois tipos penais?
Entendemos que a diferença deve ser realizada avaliando o âmbito de comunicação em que a ação humana foi praticada. Relembremos de outros dois casos para entender a proposição. Em outra partida da Liberdatores, um jogador portenho ofendeu o atleta brasileiro, também o chamando de "macaco". Em outro episódio, apenas entre times nacionais e que valia pelo certame gaúcho, após sua expulsão o atleta passou o dedo sobre o seu braço referindo-se à diferença de sua cor (branca) para com a do jogador adversário (negra).
Respeitadas as considerações em contrário - e lembrando que quem pensa diferente não ofende - entendemos que no caso inicial a ofensa foi praticada num âmbito de comunicação fechada entre os envolvidos, isto é, aquela produzida ao "pé do ouvido", objetivando prejudicar a atuação do adversário, caracterizando, desta forma, a injúria qualificada do Código Penal. No segundo caso, embora o agente tenha manifestado sua conduta na presença e em desfavor da vítima em razão de um lance de jogo, com seu gesto quis evidenciar a superioridade de sua cor em detrimento a do oposto e, assim, deixou de tratar de maneira igualitária não apenas o adversário, mas todos os demais jogadores, adversários ou colegas de agreminação, todos os torcedores negros, etc. Neste aspecto houve uma comunicação aberta e ficou tipificado o crime de preconceito.
Agora vamos pensar como torcedor penalista. Especificamente em contextos desportivos - e ainda mais precisamente em jogos da Libertadores - o atleta negro sabe que pode ser ofendido pelo atleta branco, com este sabe que pode ser ofendido por aquele ("seu branquelo"). Logo, assumem esse risco, dado o contexto da atividade. Modernamente - e com respaldo em requisito da imputação objetivia - o atleta se autocoloca numa situação de risco para o livre desenvolvimento de sua própria personalidade e, com isso, o efeito protetivo do tipo penal encontra-se limitado, ou seja, não fica caracterizado o crime de injúria qualificada.
Mas, "macacos me mordam!!!". O que é mais ofensivo ao senso comum, e daí extensível ao Judiciário, é o caso revelar a falta de imputação do resultado ao autor da conduta se este agiu com dolo. Daí porque os mais apressados podem achar irrelevante o que acabo de afirmar. Mas nada há de irrelevante - eu pelo menos assim me posiciono - porque não é mais necessário discutir o tipo subjetivo quando não restou configurado o tipo objetivo. Aí o que será relevante é a atualização de quem ensina, bem como de quem julga.
Ah, quanto ao placar final entre Cruzeiro e Grêmio no campo penal... ZERO a ZERO.
E qual sua análise Godoy? Não há racismo porque a ofensa realizou-se num âmbito de comunicação fechada e não há injúria qualificada, pois ao praticar o desporto o atleta se autocolocou numa situação de risco. "Carimba Luciano..."
Mas então a diferenciação proposta perdeu seu propósito? Não, pois para as atividades desportivas é importante saber quando há a possibilidade de tipificação do racismo e isso deve ser feito por um critério objetivo e não subjetivo. E por certo que a teoria pode ser utilizada em outros contextos...lembra daquela história do elevador social e de serviço?
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