quarta-feira, 30 de junho de 2010

Citação pelo Tribunal de Justiça Desportiva

PROCESSO: TJD/CD 005/2009.

DENUNCIADO: Matheus Ventura dos Santos (ASBAC)

AUDITOR RELATOR: Murilo Oliveira Leitão

EMENTA

SÚMULA E RELATÓRIO DO JOGO. PROVA IRREFUTADA PELAS PARTES. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE (ART. 56, CBJD). DENÚNCIA. AGRESSÃO C/C TENTATIVA DE AGRESSÃO. TAPA NO PEITO E PERSEGUIÇÃO APÓS EXPULSÃO. DESQUALIFICAÇÃO. HOSTILIDADE (ART. 255 CBJD). INFRAÇÃO FORMAL. DESNECESSIDADE DE RESULTADO MATERIAL. INEXISTENCIA DE TENTATIVA. CONCURSO MATERIAL. ATENUANTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam por maioria, os Auditores da Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Brasiliense de Futebol de Salão - FEBRASA, Murilo Oliveira Leitão, relator, Fabrício Magalhães de Oliveira, Bruno Cardoso Pieper, com voto divergente de Vanderson Roberto Vieira, sob a presidência do Auditor Moisés Baldoíno de Barros Neto, receber a denúncia contra o atleta Matheus Ventura dos Santos (ASBAC), por acumulação das penas em razão de concurso material do artigo 184 do CBJD, sendo constatado que o atleta praticou duas infrações mediante mais de uma ação, para aplicar a pena una com suspensão por 02 (duas) partidas, levando-se em consideração as atenuantes dos arts. 180, Incisos I, IV, e 182, a ser cumprida na forma do artigo 171 do CBJD.

Brasília, 01 de outubro de 2009.

Aud. Murilo Oliveira Leitão

Relator

Moisés B. de Barros Neto

Aud. Presidente

RELATÓRIO

Cuida de denúncia oferecida pela Procuradora de Justiça Desportiva em face de Matheus Ventura dos Santos, Registro 8686/Febrasa – Filiado à ASBAC, que teria agredido o atleta Cleisson Felipe Rodrigues de Souza, da UCB, com um tapa no peito durante a realização do jogo entre ambas as equipes pelo Campeonato Oficial da categoria Sub-15, naipe masculino, no último dia 12 de setembro do corrente ano, quando já havia sido advertido pelo árbitro com cartão amarelo em razão do seu comportamento agressivo.

Segue a Procuradoria dizendo que o denunciado tentou agredir mais uma vez seu oponente ao ser expulso, dessa vez pelas costas, o que não se consumou em virtude da intervenção do seu treinador e demais companheiros.

Em conclusão, a Procuradoria requer a instauração do presente processo disciplinar contra o atleta Matheus Ventura dos Santos, para os fins das penas dos artigos 253, c/c o art. 157, II, III, §1º e que, ao final, sejam levadas em conta as atenuantes ou agravantes.

O processo está devidamente instruído com a Ficha de Registro do atleta, súmula da partida e Relatório do Árbitro, estando esse último assim redigido:

“Aos 22 minutos de jogo, expulsei o jogador n.o. 07, Sr. Matheus Ventura dos Santos, registro 8686 da equipe da ASBAC, por desferir um tapa no peito do jogador n.o. 07, Sr. Cleisson Felipe Rodrigues de Sousa, da equipe da UCB sem bola, e o agressor já havia sido advertido anteriormente com cartão amarelo por ter derrubado o atleta n. 07 da equipe UCB. O atleta agressor, após sua expulsão tentou agredir correndo atrás do mesmo. Só não conseguiu êxito porque seu treinador e companheiro segurou o mesmo. Após o fato a partida procedeu normalmente até o seu término.”

É o relatório.


VOTO DO RELATOR

Conforme colocado, cuida de denúncia oferecida pela Procuradora de Justiça Desportiva em face de Matheus Ventura dos Santos, Registro 8686/Febrasa – Filiado à ASBAC, que teria agredido o atleta Cleisson Felipe Rodrigues de Souza, da UCB, com um tapa no peito durante a realização do jogo entre ambas as equipes pelo Campeonato Oficial da categoria Sub-15, naipe masculino, no último dia 12 de setembro do corrente ano, quando já havia sido advertido pelo árbitro com cartão amarelo em razão do seu comportamento agressivo.

Em primeiro lugar, entendo por satisfeitos os requisitos exigidos pelo artigo 79 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, com as alterações introduzidas pela Resolução n. 11/2006 do Conselho Nacional do Esporte, porquanto a satisfatória descrição dos fatos, a perfeita qualificação do agente, além da indicação dos dispositivos ditos por infringidos. Portanto, vislumbrando o preenchimento dos requisitos processuais, avanço sobre o mérito.

E assim fazendo, digo que as provas colhidas no presente feito corroboram a denúncia oferecida pelo membro da Procuradoria de Justiça Desportiva naquilo que toca a descrição dos fatos, em especial a Súmula da partida e o Relatório do árbitro, documentos que gozam do benefício da presunção de veracidade pelo artigo 58 do CBJD.

Ainda que, se diga que referida presunção é meramente relativa, ou juris tantum, a instrução processual não trouxe novas provas capazes de elidir o que pontuado pelo árbitro, razão porque passo a verificar a presença dos elementos exigidos pelo artigo 156 do CBJD para que se conclua pela presença de uma infração, quais sejam, uma ação, ou, omissão antidesportiva, típica e culpável.

Nessa linha, não há dúvida quanto à existência da ação em análise, sendo certo que tanto o tapa, quanto a perseguição após ser expulso, partiram do denunciado.

A antidesportividade também é certa na medida em que o desferimento de um tapa e a perseguição não se coadunam com os usos e bons costumes desportivos, sendo completamente incompatíveis com a natureza de integração pedagógica e disciplinar do esporte.

Não obstante, a qualificação jurídica conferida pela Procuradoria não parece se coadunar com a realidade que surge dos autos.

Desta feita, invocando o princípio iura novit curia (do direito cuida o juiz), passo a enquadrar os fatos trazendo lição encontrada na obra Código Brasileiro de Justiça Desportiva Comentado, Quartier Latim, organizado por Paulo Marcos Schmitt e com a colaboração, dentre outros, de Alberto Puga Barbosa e Luiz Zveiter.

Diz ali a respeito do artigo 253:

“A infração se caracteriza quando há ofensa à integridade física do árbitro, auxiliares, ou qualquer participante de competição desportiva, notadamente o atleta. (...)

O que deve ser ponderado nesses casos, é que a extensão da gravidade da lesão deverá ser determinada em função de laudos médicos e outros necessários à identificação inequívoca da relação causal, inclusive no que se refere à permanência da mesma lesão que impossibilite a prática desportiva.

Na verdade, o tipo infracional em referência tende a desabonar a conduta de toda uma sociedade, demonstrando seu atraso ético-social frente a uma comunidade que almeja ser evoluída e ao mínimo civilizada. Busca-se proteger a saúde e a integridade física da pessoa (integridade anatômica e normalidade fisiopsicológica), à medida que a lesão é tudo que diz respeito ao corpo e espírito, saúde e integridade física e mental. (...)

A infração é dolosa quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. É bem por isso que nem todas as situações fáticas que evidenciam a ocorrência de contato físico entre desportistas, necessariamente, tratam de ‘agressões’, mas configuram meros atos ‘desleais ou inconvenientes’ (art. 250), ‘hostilidade’ (art. 255) ou mesmo excepcionalmente como ‘atitude contrária à disciplina ou à moral desportiva’ (art. 258)”

Ainda no campo doutrinário, também surge de valia incomensurável as balizas traçadas pelo escólio de Leonardo Schmitt de Bem, na oba Direito Penal Desportivo – homicídios e lesões no âmbito da prática desportiva, Quartier Latim:

“Questão que avulta em importância é a violência corporal no desporto. E diversos são os fatores de desencadeamento desta expressão, a começar, também com o aumento de tensão e de ansiedade entre os atletas em razão da incerteza do resultado final. Some-se a isso a agressividade de condutas que cada qual exerce, a cobrança excessiva dos técnicos e dirigentes, o sensacionalismo da imprensa, a transferência de sentimentos por parte dos torcedores, e a própria ignorância do atleta.

Esses fatores devem ser considerados na análise das condutas homicidas e lesivas verificadas nos desportos e como conseqüência de seu exercício. (...)

Mas o início do enquadramento penal da questão da violência corporal intrínseca ao desporto passa pela necessidade de uma última redução, imposta pelo modelo de interação corporal desportivo ou pela natureza do evento desportivo.”

Como se vê, e a mim parece muito acertadamente, a análise do nível de interação corporal da atividade física é fundamental para o correto enquadramento da situação que se imputa como infração, e nessa trilha segue Leonardo Schmitt visitando os diversos ordenamentos alienígenas:

“A este propósito, a enumeração de alternativas é variada na doutrina penal. Majada Planelles menciona “o critério da luta direta de Garraud, da violência de Delogu e dos desportos criminais e degenerativos de Del Vecchio”. Ventas Sastre salienta a classificação de Medina Alcoz entre desportos com risco bilateral e unilateral. Com Jiménez de Asúa tem-se o critério misto da luta e da violência.

Porém, a mais importante contribuição espanhola é dada por Paredes Castañon, utilizando um critério consistente em examinar qual o grau de periculosidade que para os bens jurídicos penalmente protegidos supõe as atuações normais da prática dos desportos. Assim, referindo-me a um crime específico ou a um grupo de fins protetores e com descrição de elementos típicos semelhantes, classifica os desportos em ‘perigosos e não perigosos, enquanto que exista um prognóstico afirmativo ou não para possibilitar que, com um comportamento normal, produzam-se lesões ou colocações em perigo de bens jurídicos protegidos por esse crime ou grupo de crimes.’

Próximo da classificação de Jiménez de Asúa está a proposta do argentino Carlos Broudeur em desportos de luta direta e necessária contra a pessoa do adversário (pugilismo, esgrima, luta e judô), desportos com luta ocasional e/ou eventual (basquetebol, futebol, hóquei, handebol, pólo aquático, rugby) e desportos sem luta direta, ocasional, nem eventual contra a pessoa do adversário (corridas, remo e natação).

Com base nessa divisão o autor portenho propõe uma segunda classificação entre desportos que necessariamente podem produzir lesões, ainda quando se observem as regras da modalidade e aqueles que podem ocasioná-las pelo desrespeito doloso, culposo ou preterdoloso de tais regras pelos participantes.”

Relativamente ao Brasil, conclui o autor:

“Penalistas brasileiros e italianos que estudam o assunto preferem seguir uma tripartição das modalidades desportivas relacionadas ao aspecto da violência sobre a pessoa. Assim, ter-se-ia desportos praticados sem nenhuma violência contra a pessoa do atleta (golfe, tênis, ciclismo), aqueles com violência necessária e direta (lutas em geral e boxe) e outros no qual a violência eventualmente ocorre (rugby, hóquei e futebol).”

Portanto, não se pode pretender dar a um ato agressivo praticado em modalidade de pouco contato físico, como natação, o mesmo valor daquele levado a efeito em uma partida de futebol ou em uma luta marcial.

E isso não só para aqueles atos agressivos praticados dentro das regras da modalidade, mas, igualmente, nos que transbordam o permitido, como o tapa aqui em discussão.

Evidentemente que cuidando de uma modalidade com contados mais brandos, como a natação, por exemplo, o desvalor de um tapa desferido contra o adversário ganha conotações distintas daquele encontrado numa partida de futebol, em que o contato físico e o nível de provocações, por vezes naturais, é muito maior, elevando o nível de tensão dentro da disputa.

Caso estivéssemos tratando de uma dessas modalidades mais brandas, ou até do comportamento do “homem médio” na sociedade, não haveria dúvida de que o tapa do acusado seria apto a configurar a agressão física, assim como a perseguição contida por seus parceiros colocaria o ato dentro da tentativa legal.

Contudo, parece-me que tomar o rumo do artigo 253 fugiria dos parâmetros doutrinários já citados, ignorando toda a tensão que uma partida de futebol pode provocar no atleta, especialmente, no atleta de pouca idade, ainda civilmente incapaz de compreender a dimensão de todos os seus atos.

Com tais considerações, tenho que o tapa sobre o qual estamos aqui debatendo se encaixa com maior vigor à hostilidade do artigo 255 do CBJD, estando aí a sua tipicidade.

No mesmo rumo me parece seguir a perseguição após a expulsão do acusado, não havendo provas suficientes para concluir que caso seu desiderato fosse alcançado haveria uma investida além do tapa antes desferido, motivo que, ao meu juízo, faz com que a tipicidade fique caracterizada a partir da fiel subsunção dos fatos ao artigo 255, caput, CBJD.

Também não há que se falar em tentativa, posto que o tipo descreve uma infração formal, aquela em que o resultado material é possível, mas não essencial para consumar o delito, não admitindo, pois tentativa.

Ora, se houve perseguição no intuito de alcançar o adversário, houve hostilidade direta, e nunca uma tentativa, podendo ser dito que os atos foram praticados com vontade dirigida e com a aquiescência do infrator, elementos que configuram o dolo direto e incontestável, mas não de agredir, e, sim de hostilizar.

A culpabilidade, enquanto grau de reprovação do ato, também, está configurada quando se mira a impropriedade de condutas como as aqui analisadas em uma competição desportiva, na qual se visa, dentre outros intuitos, educar o cidadão para a vida em sociedade, em especial quando cuida de atleta em grau de formação, como são os civilmente menores. Aliás, cumpre ainda observar a doutrina de Leonardo Schmitt ao trazer:

“Além de promover a formação e o desenvolvimento, o desporto no âmbito social ajuda os agentes na realização de objetivos, na formação e reforço de suas identidades, no desenvolvimento de suas personalidades, na aquisição de autonomia e na própria ressocialização. E mais, estimula sentimentos de solidariedade, fraternidade, voluntariedade, de respeito ao próximo, de cooperação e criatividade, comunicando, também, um sentido de objetividade, racionalidade e mensurabilidade.”

Como se vê, tais objetivos ficam longe de alcance em atitudes como as aqui analisadas, razão porque a presente persecução é legítima e deve alcançar a aplicação da pena, o que me leva a julgá-la PROCEDENTE para condenar o acusado nas penas do artigo 255, com o concurso material.

Desta feita, atento ao artigo 178 e seguintes do CBJD, passo a dosimetria das penas.

O caso cuida de atleta não profissional, ensejando a redução pela metade das penas previstas no CBJD, de maneira genérica, pelo seu artigo 182.

Naquilo que toca o tapa desferido, não vejo conseqüências sérias para a vítima, de modo que a gravidade é leve, com menor extensão, o meio empregado também não causa perplexidade, os antecedentes favorecem o denunciado, apesar de os motivos determinantes serem desfavoráveis, porquanto injustificada a hostilidade.

Ainda dentro da pena base de que trata o artigo 178 do CBJD, não vejo qualquer Agravante, mas, sim, as atenuantes dos incisos I e IV do artigo 180, CBJD, quais sejam, ser o infrator menor de 18 anos na data do ato e não ter sofrido qualquer punição nos últimos doze meses, deixando a pena base em suspensão de 02 (duas) partidas, para torná-la definitiva na metade preconizada pelo artigo 182 do mesmo CBJD, ou seja, suspensão de uma partida.

Já para o outro episódio, da perseguição após a expulsão, a fundamentação a ser adotada é a mesma para o tapa consumado, haja vista subsumir-se no mesmo tipo básico, o que se traduz em pena idêntica, de suspensão de uma partida.

Finalmente, tem vez aqui o concurso material do artigo 184 do CBJD, sendo constatado que o atleta praticou duas infrações mediante mais de uma ação, atraindo a cumulação das penas, tornando-as una com suspensão por duas partidas, a ser cumprida na forma do artigo 171 do CBJD.

É como voto.

Brasília, 01 de outubro de 2009.

Murilo Oliveira Leitão

Aud.Relator


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