O movimento de luta antimanicomial no Brasil atua há mais de 30 anos defendendo um modelo assistencial em saúde mental que vise efetivamente a melhora do sujeito com transtorno mental.
A Lei Antimanicomial, 10.216/01, foi aprovada pelo Congresso em 2001. Tal Lei representou a maior conquista do Movimento da Luta Antimanicomial porque reformulou o sistema psiquiátrico. A Lei não visou acabar com o tratamento clínico da doença mental, mas eliminar a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais. Para isso, propõe a substituição do modelo manicomial pela criação de uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial, de base comunitária.
Nesse novo modelo de cuidado, os usuários dos serviços têm à sua disposição equipes multidisciplinares para o acompanhamento terapêutico e conquistam o direito de se organizar em associações, que podem se conveniar a diversos serviços comunitários, promovendo a inserção social de seus membros.
Outra medida foi a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que surge para substituir o Hospital Psiquiátrico no país. Os CAPS são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários que oferecem atendimento diário.
No entanto, a construção desse novo paradigma, vem enfrentando vários desafios. Entre eles, a necessidade de definição, integração e operacionalização dos novos serviços, substituindo o modelo assistencial tradicional e de interação entre a prática e a área de conhecimento que compõem o sistema de saúde como um todo. A IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial (CNSM-I), em Brasília, que ocorreu entre 27 a 1º de julho, foi um espaço importante para refletir e criar soluções aos desafios.
Sem dúvida, o tratamento psiquiátrico, oferecido àqueles que dele necessitam, caminha para melhoras. No entanto, ainda são noticiados casos como de Marinalva Maria da Silva que somente após12 anos de permanência no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, em Itamaracá-PE, conseguiu habeas corpus e foi transferida para sanatório, em agosto desse ano.
Marinalva deu entrada no HCTP para fazer um exame de sanidade mental em 1998. Por lei, a instituição teria 45 dias para emitir um laudo sobre as condições da paciente. No entanto, por 12 anos, Marinalva ficou esquecida pela Justiça e pelos parentes no pavillhão feminino do HCTP. Ela foi presa em 1998 por tentar esfaquear a mulher que a criou, em Aliança, Mata Norte do Estado. Ela apresentava um comportamento instável e não soube explicar o motivo da agressão. A juíza Marinês Marques Viana determinou a realização do exame de sanidade mental na acusada. Depois disso, Polícia e Justiça esqueceram Marinalva. Ela nunca foi julgada pela tentativa de homicídio. Órfã, ela também não contou com o apoio da família que a criou.
A diretora do HCTP, Ivone de França, explicou que Marinalva é uma paciente que não oferece risco a ninguém e que a diretoria jurídica do hospital tentou transferi-la várias vezes. “A Justiça nunca nos respondeu.”
Em julho, o Conselho Nacional de Justiça iniciou um multirão para levantar irregularidades em manicômios judiciais, que ainda existem.
O primeiro local visitado pelo CNJ foi o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Salvador, onde, segundo o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Márcio André Keppler Fraga, foram identificadas situações que deverão se repetir durante as inspeções. “São problemas de atendimento mais digno, questões de recursos humanos, carência de pessoal qualificado, questões materiais, questões de higiene, de alimentação”, afirmou.
O principal desafio, no entanto, será a situação de detentos com problemas mentais que estão internados há muito mais tempo que o previsto na lei. Considerados inimputáveis, os pacientes de saúde mental não estão sujeitos ao Código Penal, que prevê pena máxima de 30 anos. No entanto, muitos deles acabam esquecidos nos manicômios judiciais e o tempo da medida de segurança acaba ultrapassando esse limite.
No último dia 02 de agosto, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) publicou a Resolução Nº 4, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais de Atenção aos Pacientes Judiciários e Execução da Medida de Segurança. A resolução leva em consideração o aprendizado a partir do amadurecimento de programas pioneiros no Brasil que adotaram a política Antimanicomial para os pacientes judiciários.
Alguns pontos importantes são o entendimento da intersetorialidade como forma de abordagem na busca do diálogo entre as políticas públicas e a sociedade civil, a inserção social para promover acesso aos direitos humanos e à convivência pública de modo responsável. Além disso, o artigo sexto da resolução define que no prazo de 10 anos ocorrerá a substituição do modelo manicomial de cumprimento de medida de segurança para o modelo Antimanicomial.
Fonte: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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