terça-feira, 13 de agosto de 2013

Homeopatia e morte

Por maioria de votos, a 1ª Turma Criminal do TJDFT desclassificou a imputação de homicídio doloso contra réu que havia sido pronunciado pelo Tribunal do Júri de Brasília e deslocou a competência do processo para um dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 

O Ministério Público acusa o réu de ter deixado de prestar assistência à companheira e a impedido de receber ajuda médica para tratamento de câncer, que apresentou os primeiros sintomas no início de 2009 e se desenvolveu rapidamente até levá-la à morte, no dia 06/06/2010. A vítima teria sido tratada apenas com remédios caseiros, inócuos contra a grave enfermidade, vindo a falecer devido à falta de medicação adequada. Assim, a acusação apresentou denúncia contra o réu, tendo o mesmo sido pronunciado como incurso no artigo 121, §2º, incisos III e IV do Código Penal c/c artigo 5º, caput, inciso II, da Lei 11.340/06. 

Um dos membros da Turma Criminal destacou, inicialmente, que a vítima não era ingênua nem de pouca instrução, não havendo evidência concreta de suposta manipulação e ascendência do réu sobre ela. Era, sim, Professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, tinha formação superior com título de pós-graduação, e provinha de família numerosa, com quatro irmãos médicos. A despeito disso, a própria vítima relatou, por mais de uma vez, que tinha pavor de médicos. Para o desembargador, a vítima temia a doença, e, mais ainda, aqueles que poderiam diagnosticá-la e submetê-la a doloroso, prolongado e incerto tratamento. Além do mais, tinha assistido a morte da mãe vitimada pelo mal. Por isso, preferiu esconder a doença dos familiares, evitando contato com médicos e hospitais, querendo acreditar que podia se curar por intermédio de métodos alternativos, ou, quem sabe, à espera de um milagre. 

Em seu voto, a relatora da ação registra: Não se sabe se uma pronta ação do recorrente teria evitado o resultado fatal. É mais provável que não, devido às características específicas do tumor. Ela ressalta que a vítima, o acusado e os filhos não imaginavam a gravidade da doença. Além disso, o laudo de exame de corpo de delito é inapto a atestar que a conduta omissiva do acusado foi a causa determinante da morte da vítima. 

Assim, a magistrada afirma que não se pode concluir impregnada de dolo de homicídio, mesmo que eventual, a conduta do réu, que deixou de agir impelido por sentimentos íntimos de que a lesão da companheira não era grave e seria tratada com remédios homeopáticos. Ressalta que a vítima não tinha nenhum patrimônio relevante a ponto de justificar a intenção dolosa do réu, tampouco era detentora de seguro de vida, e que para caracterizar o dolo eventual, seria necessário que o acusado tivesse assumido o risco da produção do resultado morte. 

Por fim, a desembargadora acrescentou que a inércia do réu em levar a companheira a um especialista que poderia diagnosticar o câncer, pode ter contribuído para o agravamento do estado geral e maior sofrimento pela doença, entretanto o resultado morte não foi querido ou sequer assumido, havendo possibilidade de infração do cuidado devido e, se houve negligência, a caracterização de culpa inconsciente - o que deverá ser apurado por Juizado Especial de Violência contra a Mulher. 

Processo: 20100111343934APR 

Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

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