A aplicação da pena-base é processo que passa, em regra geral, pela análise do art. 59 do Código Penal. Para as infrações da Lei de Drogas, entretanto, outras condições devem ser consideradas, preponderantemente, sobre as circunstâncias judiciais. Dispõe o art. 42 da Lei n. 11.343/06 que "o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância, sobre o previsto no art. 59 do CP, a natureza e a quantidade da substância ou produto, a personalidade e conduta social do agente".
Não faltarão vozes a salientar que o legislador em nada inovou, mas esse não é o entendimento a seguir, porquanto a doutrina penal entende que "as circunstâncias listadas no art. 59 do CP têm pesos idênticos, de modo a nenhuma preponderar sobre qualquer outra" (Boschi, in Das Penas e de seus Critérios de Aplicação, 2002, p. 219), bandeira não erguida no preceito especial.
Assim, o termo mais importante do artigo é o substantivo feminimo preponderância, sendo que no contexto da Nova Lei possui dois sentidos, ou seja, preceder e prevalecer. Isso significa que as circunstâncias elencadas no art. 42 da Lei n. 11.343 devem ser aplicadas anteriormente e devem ser aferidas de forma mais energética às arroladas no art. 59 do Código Penal.
A presente regra tem o efeito de alterar a tendência de se aplicar pena-base no mínimo legal. Mas como proceder essa análise? Uma reflexão inicial sobre o assunto leva-me a estabelecer em relação à natureza das drogas, uma ordem de decrescente de potencialidade e periculosidade: ópio, heroína, cocaína, ckack, as drogas sintéticas (anfetaminas, ecstasy, lsd), haxixe e maconha. Quando mais prejudicial a droga maior deve ser a majoração dessa circunstância judicial.
Contudo, nosso legislador não adotou expressamente o critério matemático para diferenciar o quantum de pena-base deve ser aplicado quando da apreensão de pouca ou muita quantidade de droga. O motivo da omissão - e somente por ser um - é a dificuldade de se mensurar/distinguir num caso concreto o que se configura a posse de quantidade mínima, da posse de quantidade moderada, da posse de quantidade de relevância notória e da posse de quantidade expressiva de droga. Não veja outra solução a não ser estipular concentrações "X", "Y", "Z", ou seja, definir que até 1kg de maconha, por exemplo, a pena-base se eleve de três meses, entre 1kg e 3kg que o aumento seja de seis meses, e assim sucessivamente, bem como para todas as demais drogas. Estipular uma quantidade mínima seria mais prudente, inclusive, para realizar a distinção entre traficante e usuário. Muito simples: abaixo de 50grama de maconha, és usuário e não se discute absolutamente nada. Isso afastaria, inclusive, a aplicação dos critérios legais estipulados no art. 28, § 2º que, não obstante objetivos, são analisados subjetivamente e, assim, passíveis de gerar diferentes interpretações para idênticas situações.
Destarte, na aplicação da pena o essencial é que o magistrado, seguindo a política criminal que foi estabelecida pelo legislador, coaja mais gravemente o réu em razão, preponderantemente, da natureza da droga. E para as situações em que seja apreendidas quantidades diversas, que seja coerente para aumentar a pena de maneira proporcional.
Mas uma das questões mais importantes, pelo menos no meu sentir, é saber se o art. 42 da Lei de Drogas influencia a variação da fração correspondente ao art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 quando o agente preenche simultaneamente todas as condições legais? Segundo entende a Min. Laurita Vaz, HC n. 132;106/MS, DJ 05/10/2009 a quantidade e a qualidade da droga podem conduzir a aplicação da fração no patamar mínimo. Estaria correto esse raciocínio?
O legislador ao inserir no texto do art. 42 da Lei n. 11.343/06 a expressão na fixação das penas não se refere às fases de aplicação da dosimetria, mas sim as espécies de pena cominadas pelo legislador no preceito secundário de algum crime previsto na legislação. Logo, é na pena-base e apenas nesse momento que natureza e quantidade da droga devem ser consideradas, sendo que o julgado de relatoria da Ministra viola gravemente o princípio do bis in idem, tendo em vista que a mesma circunstância estaria sendo utilizada por duas vezes. Inclusive destaquei essa idéia em artigo científico: A Causa Especial de Diminuição de Pena na Nova Lei de Drogas, Revista IOB de Direito Penal, n. 44, 2007, p. 46.
Na realidade, parece-me que há uma insatisfação no Judiciário no sentido de que não é correto que a fração de diminuição aplicada na terceira fase da dosimetria compense ou ainda ultrapasse o aumento dado quando da fixação da pena-base. Ou seja, se o magistrado aumenta a pena-base em 1 ano por conta de 10kilos de maconha apreendidos não admite diminuir a pena na terceira fase na fração de 2/3 (quando ausente qualquer circunstância desfavorável ao réu), pois entende que a preponderância da natureza e quantidade da droga seria afastada. Mas a preponderância apenas vale na primeira fase e ponto final. Por isso destaquei que a nova regra também objetiva criar uma mentalidade de maior retribuição já na fixação da pena-base.
Antes assim proceder, e ter sua decisão atacada por recurso, do que buscar camuflar a violação do princípio do bis in idem, como também já observei, isto é, ou por ignorância do texto de lei ou por absoluta má fé, juízes deixam de considerar as duas circunstâncias (quantidade e qualidade) na pena-base para considerá-las na terceira fase e, assim, desconsideram a própria aplicação da diminuição da pena. Ou seja, criam critérios extralegais para ferrar ainda mais o acusado.
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