02. Direitos fundamentais CEDU e direito penal substantivo. As diretrizes fundamentais de tutela. Do sistema de tutela dos direitos fundamentais desenhado pela CEDU e de protocolos adicionais derivam, essencialmente, duas diretrizes de tutela concernente ao direito penal: a primeira, mais tradicional, é aquela definida como “tutela dos direitos fundamentais frente ao direito penal”; a segunda, mais moderna, e por isso considerada mais problemática, é aquela que se etiqueta como “tutela dos direitos fundamentais mediante o direito penal”.
02.1. Proteção dos direitos fundamentais frente ao direito penal. Esta primeira diretriz é aquela, característica do constitucionalismo moderno, da tutela dos direitos fundamentais em razão da pena. Mesmo a pena sendo instrumento irrenunciável de defesa social, não se deve prestar a garantia do arbítrio estatal. O núcleo dessa garantia é encontrado no princípio da culpabilidade (previsto na Constituição Italiana), bem como em outras diretrizes delineadas pela CEDU, em especial ao princípio da legalidade, nos moldes delineado em qualquer Constituição moderna, isto é, do indivíduo ter o direito de saber quais condutas lhe estão proibidas anteriormente a sua prática, porém com uma ampliação às mudanças de entendimento jurisprudencial malam partem, isto é, não se pode punir o comportamento que em momento anterior ao julgamento era considerado um indiferente penal aos olhos dos magistrados.
02.1.1 Uma série de garantias também circundam a pena em si considerada. A ela também se aplica o princípio da legalidade, isto é, deve estar prevista anteriormente à prática da conduta; o princípio da humanidade também é aplicável, primeiro, vedando a imposição de pena de morte; depois, proibindo a imposição de pena com caráter aflitivo (tortura ou tratamento desumano ou degradante) e, igualmente, a limitação de pena não necessária da vida privada do condenado, o que resultou, antes da mudança legislativa de 2004, na condenação da Itália em casos de limitação de recebimento de correspondência pelos presos condenados a prisão perpétua.
02.1.2 A tutela dos direitos fundamentais frente ao direito penal também significa que uma norma penal não pode limitar liberdades fundamentais, isto é, não se pode sancionar o direito à consciência ou à religião. Em síntese é um dos vértices do princípio da lesividade ou ofensividade que é garantido de forma mais ampla pela CEDU do que pela Constituição Italiana.
02.2 Tutela dos direitos fundamentais mediante o direito penal. É, sobretudo, essa segunda diretriz que importa, pela tradição jurídica italiana, decisamente original. A idéia de fundo, emersa gradativamente nas últimas duas décadas de jurisprudência da Corte, é que o direito penal não é um instrumento de compreensão dos direitos fundamentais dos destinatários da norma (o réu, ou potencial réu), mas é, primeiramente, um instrumento de tutela dos direitos fundamentais da vítima do crime; e é um instrumento às vezes irrenunciável por parte de um Estado que deseja fazer valer a própria obrigação de tutela dos direitos fundamentais. Cabe destacar, inclusive, que em alguns julgamentos pela CEDU houve sanções aos Estados que não têm predisposto uma eficaz tutela penal de alguns direitos fundamentais por meio das normas de direito penal, deixando, desta forma, a vítima desprovida de tutela adequada, sendo que o itinerário lógico que conduzem a estas decisões pode ser assim esquematizado:
02.2.1 Qualquer Estado contraente é obrigado a assegurar, ao interno da própria jurisdição, a tutela dos direitos fundamentais reconhecidos pela CEDU e seus protocolos adicionais.
02.2.2 Do reconhecimento de um direito fundamental deriva, ao encargo dos Estados, não só o dever de abster-se de violá-lo por meio de ações dos órgãos públicos, porém também a obrigação positiva de ater-se ao fim de prevenir possíveis violações dos direitos fundamentais por parte de terceiros sendo que, no caso de verificar-se uma violação, de ater-se ao objetivo de sancionar eficazmente o autor da violação, primeiro para dissuadir os demais a não prática de ação equivalente e, segundo, para assegurar uma equânime satisfação à vítima da violação.
02.2.3 Cada Estado é livre para decidir mediante quais instrumentos assegurará a tutela dos direitos fundamentais de agressões por parte de terceiros que não respeitam o ordenamento interno. Mas releva que a tutela desses direitos seja adequada na visão da CEDU quanto aos escopos outrora evidenciados, ou seja, dissuasão dos demais para não cometimento de uma infração e garantia de satisfação da vítima.
02.2.4 Nos casos mais graves de violação dos direitos fundamentais (entre os quais estão os que atentam contra a vida humana) se deve, inclusive, considerar que a ameaça e imposição de uma pena é o único instrumento adequado para assegurar a tutela efetiva (preventiva, ou ao menos, reparatória) dos direitos violados.
02.2.5 Que o Estado pode ser igualmente responsabilizado pela violação da própria obrigação de tutela em relação à vítima da agressão por um terceiro em razão de não haver predisposto uma normativa penal idônea a prevenir e a sancionar eficazmente uma futura violação, bem como por não aplicar adequadamente as valorações da CEDU. Sobre a última passagem ainda há particular consideração: que a CEDU não somente pretende, a respeito de alguma grave violação de direito fundamental, como, por exemplo, os fatos de abuso sexual ou de redução à condição análoga a de escravo, mas também, conforme veremos, de homicídio ilegítimo por parte de operações policiais, que a legislação do Estado preveja o fato como crime, mas, e em especial nos pronunciamentos mais recentes, pretende também, que o fato concretamente resulte punível (censurando o Estado que preveja causa de justificação ou também causa de não punibilidade muito ampla ou elástica), e que a pena ameaçada e concretamente imposta resulte adequada à gravidade da infração cometida, sendo também possível mencionar que o Estado é responsável quando o autor da violação há se beneficiado da suspensão condicional da pena, ou se é condenado a uma pena relativamente baixa uma vez comparada a gravidade da infração praticada.
02.3 Uma perspectiva, assim, abrirá num plano supranacional novo caminho de tutela dos direitos fundamentais aos defensores das vítimas de crimes mais graves, bem como, solicitará uma compreensão mais séria a respeito de alguns mecanismos de indulgência previstos no ordenamento substancial italiano, os quais levam por prejudicar uma legítima expectativa da vítima do crime quanto à satisfação efetiva contra os autores da violação.
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