05. Carlo Giuliani. O caso, atualmente em análise pelos julgadores de Estrasburgo, refere-se ao homicídio de Giuliani por parte de um agente policial durante um tumulto paralelamente ao encontro do G8 em Genova (2001). O exempo poderá ilustrar eficazmente quais são as novas possibilidades de tutela jurisdicional no plano internacional derivadas dos julgamentos da Corte de Estrasburgo em matéria do art. 2º, sobre as quais seguimos a exposição.
05.1 A reconstrução dos fatos. 20 de julho de 2001. Uma guarnição não blindada da polícia resta isolada e sem proteção no meio de um grande número de manifestantes armados com pedras, pedaços de pau de barras de ferro, e com evidente intenção agressiva. O vidro lateral da guarnição é quebrado por pedra lançada pelos manifestantes. Três policiais estavam em seu interno, entre eles Mario Placanica, auxiliar de apenas vinte anos que se intoxicou com o gás lacrimogêneo por ele mesmo lançado, e que por este motivo recebeu ordens de seu superior para se afastar da zona de perigo. Preso ao pânico, Placanica grita para os populares se afastarem, ameaçando-os de morte em caso de negativa. Então realiza dois disparos de arma de fogo, um deles atingindo a face de Carlo Giuliani, que se encontrava a breve distância da guarnição e portava um extintor. Outro policial, na direção do veículo, engata a marcha ré e passa por cima do corpo de Giuliani, neste tempo caído ao solo. Depois, insere a primeira marcha e passa uma segunda vez sobre o corpo, afastando-se. Os socorristas chegam apenas para constatar a morte do jovem. A autópsia realizada sobre o cadáver conclui que a causa da morte foi o disparo do projétil que atingiu a vista de Giuliani e não a sucessiva investida por parte do motorista da guarnição sobre o seu corpo. Em relação à trajetória do projétil, em sede de autópsia se constatou perfuração do alto para baixo. Essa conclusão, no entanto, restou modificada por uma série de consultas técnicas, pois com prova de vídeo, uma vez que o corpo fora cremado, os peritos verificaram que a trajetória da bala fora modificada pelo impacto com uma pedra lançada pelos populares, sendo que um seu fragmento atinge o rosto da vítima adentrando de baixo para cima, sendo esta a causa da morte. Com base nessa reconstrução dos fatos, a magistratura de acusação formula pedido de arquivamento do feito. Afirma que o disparo não fora promovido em direção à vítima e entende que a conduta do agente estatal estava acobertada pela excludente de legítima defesa, ainda que se considere o dolo eventual, porque no momento do disparo os três policiais encontravam-se expostos a uma série agressão a suas incolumidades ou, inclusive, as suas vidas, por parte do grupo que circundava o veículo. Sob esta condição, o disparo de arma de fogo, que possivelmente não fora efetuado em direção a nenhum dos populares, mostrou-se uma medida proporcional e necessária em relação ao perigo. A legítima defesa é aceita e o arquivamento se verifica.
05.2 O recurso à Corte de Estrasburgo. Exauridas as vias de recurso interno os familiares da vítima recorrem à Corte de Estrasburgo revelando violação por parte do Estado ao direito fundamental da vida sob o viés substantivo e sob o aspecto processual, pois vejamos.
05.2.1 Preliminarmente afirmam que a Corte não está vinculada a reconstrução dos fatos operada em nível interno. Assim, contestam a afirmação de que o projétil foi desviado por uma pedra arremessada pelos populares e negam, inclusive, que os ocupantes do veículo estivessem expostos a um perigo de vida uma vez que os manifestantes não se encontravam munidos de armas letais, muito menos esse perigo decorria da conduta da vítima. Logo, o uso da arma de fogo representou um meio desproporcional, contrário ao art. 2º, como entende a jurisprudência de Estrasburgo.
05.2.1 No mérito e, sobretudo, os recorrentes alegam a defeituosa organização e gestão da operação policial, imputando aos superiores hierárquicos de Placanica responsabilidade penal tendo em vista o descumprimento de vários princípios básicos em matéria de uso de arma de fogo emanados da Organização das Nações Unidas, já destacado. Primeiro, pois não resultou clara uma indicação preventiva ao uso de arma. Depois, dentro das circunstâncias, os policiais deveriam usar armas neutralizadoras, mas não letais. Terceiro, que estes deveriam estar em guarnição blindada, própria para minimizar o risco de eventual agressão. Quarto, a escolha de jovens e inexperientes policiais em situações de desordem pública. Finalmente, os recorrentes argumentam sobre a generalidade como é definida a causa de justificação da legítima defesa prevista no Código Penal Italiano que não indica de maneira precisa os pressupostos sobre o uso de armas letais, bem como, contrariando as decisões da Corte, não menciona o requisito da proporcionalidade a respeito do escopo perseguido.
05.2.2 Sob o aspecto das obrigações processuais relativas ao art. 2º da CEDU os recorrentes lamentam defeitos de efetividade, presteza e independência do inquérito, bem como a falta de participação do órgão de acusação na maior parte das tarefas de investigação. Ausência de efetividade, pois o inquérito enviado à acusação se mostrou parcial e incompleto, porquanto se restringiu aos policiais participantes, sem mencionar as omissões por parte dos superiores responsáveis pela operação. Ausência de presteza, porquanto, com base no inquérito, o órgão de acusação requereu seu arquivamento com fundamentação considerada superficial uma vez a impossibilidade de realização de nova autópsia em razão de o cadáver ter sido cremado. Por fim, vício na independência, pois o inquérito foi prolatado com participação de um dos peritos que posteriormente publicou em artigo científico que o projétil havia sido desviado e que o disparo fora praticado em ação de legítima defesa, estudo este que serviu de fundamento ao pedido e conseqüente deferimento do arquivamento do inquérito.
05.2.2 Os recorrentes também lamentam não terem participado na maior parte dos atos do inquérito, uma vez que a processualística italiana não garante qualquer papel na produção da prova. Eis o segundo motivo do recurso, em decorrência da inobservância do direito da parte ofendida de participar da formação da prova, como previsto na CEDU. Por fim, argumentam a falta de imediato socorro por parte do Estado depois que a vítima fora atingida pelo disparo e, sucessivamente, investida a guarnição policial sobre o seu corpo.
05.3 A Corte, em data de 07 de fevereiro de 2007, admitiu o recurso, afastando preliminar argüida pelo Governo Italiano de que os recursos internos não haviam sido eliminados, pois ainda está em aberto a possibilidade de reparação dos danos civis. Recorrendo a decisões da própria Corte, entenderam os julgadores que, embora a hipótese do ressarcimento efetivo em sede civil aos familiares de Giuliani seja possível, esta não seria suficiente para assegurar uma satisfação completa, considerando a extrema gravidade do fato. Aguarda-se, ainda, a decisão de mérito.
05.1 A reconstrução dos fatos. 20 de julho de 2001. Uma guarnição não blindada da polícia resta isolada e sem proteção no meio de um grande número de manifestantes armados com pedras, pedaços de pau de barras de ferro, e com evidente intenção agressiva. O vidro lateral da guarnição é quebrado por pedra lançada pelos manifestantes. Três policiais estavam em seu interno, entre eles Mario Placanica, auxiliar de apenas vinte anos que se intoxicou com o gás lacrimogêneo por ele mesmo lançado, e que por este motivo recebeu ordens de seu superior para se afastar da zona de perigo. Preso ao pânico, Placanica grita para os populares se afastarem, ameaçando-os de morte em caso de negativa. Então realiza dois disparos de arma de fogo, um deles atingindo a face de Carlo Giuliani, que se encontrava a breve distância da guarnição e portava um extintor. Outro policial, na direção do veículo, engata a marcha ré e passa por cima do corpo de Giuliani, neste tempo caído ao solo. Depois, insere a primeira marcha e passa uma segunda vez sobre o corpo, afastando-se. Os socorristas chegam apenas para constatar a morte do jovem. A autópsia realizada sobre o cadáver conclui que a causa da morte foi o disparo do projétil que atingiu a vista de Giuliani e não a sucessiva investida por parte do motorista da guarnição sobre o seu corpo. Em relação à trajetória do projétil, em sede de autópsia se constatou perfuração do alto para baixo. Essa conclusão, no entanto, restou modificada por uma série de consultas técnicas, pois com prova de vídeo, uma vez que o corpo fora cremado, os peritos verificaram que a trajetória da bala fora modificada pelo impacto com uma pedra lançada pelos populares, sendo que um seu fragmento atinge o rosto da vítima adentrando de baixo para cima, sendo esta a causa da morte. Com base nessa reconstrução dos fatos, a magistratura de acusação formula pedido de arquivamento do feito. Afirma que o disparo não fora promovido em direção à vítima e entende que a conduta do agente estatal estava acobertada pela excludente de legítima defesa, ainda que se considere o dolo eventual, porque no momento do disparo os três policiais encontravam-se expostos a uma série agressão a suas incolumidades ou, inclusive, as suas vidas, por parte do grupo que circundava o veículo. Sob esta condição, o disparo de arma de fogo, que possivelmente não fora efetuado em direção a nenhum dos populares, mostrou-se uma medida proporcional e necessária em relação ao perigo. A legítima defesa é aceita e o arquivamento se verifica.
05.2 O recurso à Corte de Estrasburgo. Exauridas as vias de recurso interno os familiares da vítima recorrem à Corte de Estrasburgo revelando violação por parte do Estado ao direito fundamental da vida sob o viés substantivo e sob o aspecto processual, pois vejamos.
05.2.1 Preliminarmente afirmam que a Corte não está vinculada a reconstrução dos fatos operada em nível interno. Assim, contestam a afirmação de que o projétil foi desviado por uma pedra arremessada pelos populares e negam, inclusive, que os ocupantes do veículo estivessem expostos a um perigo de vida uma vez que os manifestantes não se encontravam munidos de armas letais, muito menos esse perigo decorria da conduta da vítima. Logo, o uso da arma de fogo representou um meio desproporcional, contrário ao art. 2º, como entende a jurisprudência de Estrasburgo.
05.2.1 No mérito e, sobretudo, os recorrentes alegam a defeituosa organização e gestão da operação policial, imputando aos superiores hierárquicos de Placanica responsabilidade penal tendo em vista o descumprimento de vários princípios básicos em matéria de uso de arma de fogo emanados da Organização das Nações Unidas, já destacado. Primeiro, pois não resultou clara uma indicação preventiva ao uso de arma. Depois, dentro das circunstâncias, os policiais deveriam usar armas neutralizadoras, mas não letais. Terceiro, que estes deveriam estar em guarnição blindada, própria para minimizar o risco de eventual agressão. Quarto, a escolha de jovens e inexperientes policiais em situações de desordem pública. Finalmente, os recorrentes argumentam sobre a generalidade como é definida a causa de justificação da legítima defesa prevista no Código Penal Italiano que não indica de maneira precisa os pressupostos sobre o uso de armas letais, bem como, contrariando as decisões da Corte, não menciona o requisito da proporcionalidade a respeito do escopo perseguido.
05.2.2 Sob o aspecto das obrigações processuais relativas ao art. 2º da CEDU os recorrentes lamentam defeitos de efetividade, presteza e independência do inquérito, bem como a falta de participação do órgão de acusação na maior parte das tarefas de investigação. Ausência de efetividade, pois o inquérito enviado à acusação se mostrou parcial e incompleto, porquanto se restringiu aos policiais participantes, sem mencionar as omissões por parte dos superiores responsáveis pela operação. Ausência de presteza, porquanto, com base no inquérito, o órgão de acusação requereu seu arquivamento com fundamentação considerada superficial uma vez a impossibilidade de realização de nova autópsia em razão de o cadáver ter sido cremado. Por fim, vício na independência, pois o inquérito foi prolatado com participação de um dos peritos que posteriormente publicou em artigo científico que o projétil havia sido desviado e que o disparo fora praticado em ação de legítima defesa, estudo este que serviu de fundamento ao pedido e conseqüente deferimento do arquivamento do inquérito.
05.2.2 Os recorrentes também lamentam não terem participado na maior parte dos atos do inquérito, uma vez que a processualística italiana não garante qualquer papel na produção da prova. Eis o segundo motivo do recurso, em decorrência da inobservância do direito da parte ofendida de participar da formação da prova, como previsto na CEDU. Por fim, argumentam a falta de imediato socorro por parte do Estado depois que a vítima fora atingida pelo disparo e, sucessivamente, investida a guarnição policial sobre o seu corpo.
05.3 A Corte, em data de 07 de fevereiro de 2007, admitiu o recurso, afastando preliminar argüida pelo Governo Italiano de que os recursos internos não haviam sido eliminados, pois ainda está em aberto a possibilidade de reparação dos danos civis. Recorrendo a decisões da própria Corte, entenderam os julgadores que, embora a hipótese do ressarcimento efetivo em sede civil aos familiares de Giuliani seja possível, esta não seria suficiente para assegurar uma satisfação completa, considerando a extrema gravidade do fato. Aguarda-se, ainda, a decisão de mérito.
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