Aqueles que trabalham com execução penal sabem bem que os pedidos de transferências de presídios são recorrentes. Na maior parte das vezes, a transferência é motivada por ameaças de morte do grupo que tem o controle do presídio. E de forma geral, as pessoas já se acostumaram a ouvir que as penitenciárias são comandas por organizações criminosas.
Além da lamentável situação, na qual o detento fica “pulando” de presídio em presídio, com seus familiares correndo atrás de defensores e da Corregedoria, a presença das facções nas penitenciárias somente reforça o abandono do Estado.
Abandono que também reflete do lado de fora dos presídios. O recente episódio do Complexo do Alemão (Rio de Janeiro) também reforçou o tema das facções criminosas como principais inimigas do Estado e da população, principalmente o Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA).
Para o promotor público do Rio Grande do Sul, Gilmar Bortolotto, "quando se admite a situação dos presídios, se admite o controle de um traficante dentro de uma vila. Temos mapas do controle do tráfico na Capital a partir dos presídios, os líderes dessas organizações estão presos, mas em cada região da cidade, eles estão comandando o que acontece aqui fora".
No dia 05.01.11, em Blumenau, um detento, durante sua saída de final de ano, foi detido com um convite para integrar uma facção criminosa. O convite possui cinco laudas, apresentando um estatuto e 10 mandamentos e objetivos do Primeiro Grupo da Capital (PGC). Chama à atenção a organização das facções, que regem até formas de filiação. Também impressiona a maior presença destas organizações na vida da população pobre.
Na opinião do deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), relator da CPI do Sistema Carcerário (concluída em 2008), as facções preenchem o vazio deixado pelo Estado. "Quando um integrante dessas organizações morre, não é o governo, mas sim o grupo criminoso que paga pelo enterro. O Estado não fornece defensor, mas a facção criminosa paga pelo advogado. Quando a pessoa é levada para um presídio em outra cidade, quem paga o transporte dos familiares para a visita é o PCC (Primeiro Comando da Capital)".
O promotor de execuções penais do Ministério Público de São Paulo, Pedro de Jesus Juliotti, diz que nos Centros de Detenção Provisória de São Paulo, considerados os mais lotados do Estado, o crime organizado também está presente. Segundo ele: "Quando um bandido é preso, se pergunta de que grupo ele é para que seja levado para o mesmo local onde estão os integrantes de sua facção".
O Defensor Público do Estado de São Paulo, Bruno Shimizu, em artigo publicado no Portal do IBCCrim (“Facções criminosas, "estados paralelos" e pluralismo jurídico”), nos alerta sobre o mito do controle total da administração carcerária sobre os detentos: “Nessa esteira, uma vez que a instituição penal é estruturalmente incapaz de dominar completamente a massa de internos, a administração é induzida a abrir-se às lideranças informais dos presídios, negociando e fazendo concessões, a fim de manter um nível satisfatório de controle sobre a população sob sua responsabilidade.”
Assim, ao contrário do que alguns apontam, as facções não representam um Estado paralelo, Shimizu aprofunda a reflexão, sugerindo que a presença destes grupos é parte integrante de um Estado deficitário. Ou em outras palavras, ao invés de constituírem uma ordem paralela, forma uma simbiose com o Estado.
Nesta mesma perspectiva, Shimizu conclui: “uma política criminal destinada a fazer frente à questão das facções não deve ter como fundamento a repressão, mas sim, a superação das barreiras do acesso à justiça.”
Fonte: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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