sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Mensalão


Os votos pela condenação do réu João Paulo Cunha pelos crimes de peculato e corrupção passiva alcançaram a maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, durante o julgamento do mensalão. O placar foi de 8 a 2 pela condenação por esses crimes, mas a validação da denúncia referente a outros ainda será decidida nesta quinta. Até agora, 5 ministros votaram pela condenação por lavagem de dinheiro, contra quatro - Ayres Britto e Rosa Weber ainda vão analisar o caso. Um segundo peculato foi desconsiderado por 6 a 4.

O ministro Cezar Peluso proferiu um duro voto contra o réu João Paulo Cunha, embora o tenha absolvido por um crime de peculato e outro de lavagem de dinheiro. Ele votou pela condenação do petista pelos crimes de corrupção passiva e por outro caso de peculato. Como Peluso vai se aposentar na próxima segunda-feira, ele adiantou a dosimetria das penas referente ao item 3 do processo do mensalão. O ministro decidiu que João Paulo Cunha deve ser condenado por 6 anos de reclusão. Ele também condenou Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollembarch pelo caso de desvio de dinheiro público na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil (BB), além do ex-diretor de marketing do BB, Henrique Pizzolato. Assim como pediu a Procuradoria Geral da República, o ministro votou pela absolvição de Luiz Gushiken pelo crime de peculato - todos os ministros absolveram Gushiken.

Sobre a vantagem que João Paulo Cunha recebeu de R$ 50 mil para supostamente favorecer a SMP&B em licitação na Câmara, Peluso afirmou que o réu mentiu.

- Em 8 de agosto, o denunciado constitui uma comissão especial que designa o processo (de licitação). É nesse contexto e na expectativa de publicação do edital de licitação que o réu recebe de Marcos Valério os R$ 50 mil, em espécie. No dia 16, João Paulo Cunha publica o edital de concorrência. A pergunta que fica é a seguinte: a que se destinava esse pagamento. João Paulo alega que era dinheiro do PT para pagamento de pesquisas pré-eleitorais em Osasco. A alegação é absolutamente inverossímil e por várias razões. Primeiro, o réu mentiu em seu depoimento e não tinha por que fazê-lo. Se era um dinheiro recebido de seu partido, de modo lícito e oficial, a única explicação seria não fazer isso. Por que dizer que a sua mulher tinha ido ao banco para pagar fatura de televisão, coisa que ninguém mais faz em banco?

Peluso, com veemência, se empenhou em desconstruir a versão do réu:

- Ele (João Paulo) fez uma afirmação interessante: tive várias reuniões para discutir (com Marcos Valério) questões do futuro do país. Ora, o que um político experiente - e um político ingênuo e novato jamais chegaria à Presidência da Câmara - teria que conversar com um publicitário sobre a situação política do país? Espantoso... - disse ele, que continuou:

- O que estava por trás dessa aproximação e dessas gentilezas ao presidente da Câmara? O interesse na contratação da empresa de publicidade. Os fatos demonstram. João Paulo Cunha tinha incontestavelmente o comando jurídico e factual dessa possibilidade, da licitação. O contrato da Deníson já estava prorrogado. E não havia nenhum fato que justificasse uma nova licitação.

Para confirmar o crime de corrupção passiva, Peluso falou ainda sobre o ato de ofício:

- O delito está em pôr em risco o prestígio, a honorabilidade e a responsabilidade da função. Ainda que não tenha praticado nenhum ato de ofício, no curso da licitação, o denunciado não poderia, sem cometer crime de corrupção, ter aceitado esse dinheiro dos sócios da empresa que concorria à licitação. Tenho, portanto, como comprovado e tipificado o crime de corrupção passiva.

O ministro, aliás, começou seu voto afirmando que as provas indiciárias e diretas não podem ser hierarquizadas a priori. Ele enfatizou um entendimento que aparentemente não foi levado em conta pelos ministros Ricardo Lewandowski e José Antonio Dias Toffoli.

- Da verificação de um fato que acontece há convicção da existência de outro fato. Trata-se de formular através da observação um juízo ou proposição de caráter geral que afirme como regra a constância da relação desses fatos. E aqui dois exemplos corriqueiros ajudam a entender. Um acidente de trânsito, quando um carro bate na traseira de outro, que é um fato provado e conhecido. O comportamento culposo (sem intenção) também está provado. De regra é isso que acontece. Não mantinha a distância, ou estava distraído, ou houve uma falha mecânica que por negligência que lhe atribui a culpa. É claro que excepcionalmente pode acontecer que o veículo da frente possa ter dado uma freagem ou marcha-a-ré.

Ele concluiu o raciocínio:

- Se está provado nos autos um determinado fato, que deve levar a convicção da existência de outro fato, não é preciso indagar se a acusação fez ou não a comprovação do fato. Se esse fato está provado, a acusação não precisa fazer prova da existência de comportamento ilícito. O fato provado é o indício. Isso é importante por que no sistema processual, a eficácia dos indícios é a mesma das provas diretas e históricas representativas. Não existe nenhuma hierarquia entre as provas.

Quanto aos dois crimes de peculato, Peluso agiu como a ministra Rosa Weber: condenou no caso da não prestação de serviços da SMP&B em contrato com a Câmara - as subcontratações chegaram, segundo a denúncia, a 99,9% -, e absolveu em relação à contratação do jornalista Luís Costa Pinto pela IFT.

- Em relação ao peculato quanto ao contrato com a SMP&B, acompanho integralmente o relator por vários motivos (...) Não precisa ser experiente em direito para saber o que seja subcontratação. É uma modalidade de negócio em que uma das partes de determinado contrato contrata terceiros para executar parte ou a totalidade destas obrigações - disse ele, que disse ainda que quase todo o trabalho era delegado a terceiros e que, por isso, não se tratava de subcontratações: - Uma empresa de publicidade, apresentada como uma das maiores do Brasil, não tem capacidade para elaborar um texto (simples) desse? Precisa subcontratar? - disse ele citando um pequeno informativo da Câmara.

Sobre o crime de lavagem de dinheiro, imputado a João Paulo pela PGR, ele afirmou:

- Vou absolver o réu por uma questão factual e jurídica (...) Não vejo na descrição dos fatos, na prova, que tenha havido ações independentes entre o crime de corrupção passiva e o delito de lavagem.

Pela interação entre João Paulo Cunha, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz no pagamento de vantagem de R$ 50 mil e pela não prestação de serviços da SMP&B, Peluso também condenou os empresários por corrupção ativa e peculato.

Peluso vota pela condenação de Pizzolato e profere dosimetria das penas

Mais objetivo e rápido, o ministro pediu a condenação de Henrique Pizzolato por corrupção passiva e peculato, além de Marcos Valério e sócios por corrupção ativa e peculato.

- Em relação a esses crimes todos, sobre os quais já houve grande manifestações (...) reconheço todos os crimes imputados aos réus e condeno-os a todos nos termos da denúncia e dos votos que já foram transferidos - disse ele, que, logo depois, adiantou a dosimetria das penas.

Somando as penas, Peluso sugeriu para João Paulo Cunha 6 anos de prisão e 30 dias multa, além da perda de mandato; para Marcos Valério, 16 anos de prisão e 240 dias multa, em regime fechado; Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, dez anos de prisão cada, em regime fechado; Henrique Pizzolato, 8,4 anos de prisão e 135 dias de multa. As penas de Valério, Hollerbach e Paz se referem somente aos crimes na Câmara e no Banco do Brasil. Não estão incluídas eventuais condenações por crimes pelos quais eles ainda serão julgados.

Gilmar Mendes condena João Paulo por lavagem de dinheiro

O ministro Gilmar Mendes começou seu voto discordando da tese da defesa de João Paulo sobre o recebimento dos R$ 50 mil. Ele votou pela condenação de João Paulo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e por um dos peculatos. Mendes também condenou Marcos Valério e sócios pelos crimes denunciados na Câmara dos Deputados - exceto um peculato - e no Banco do Brasil.

- Os impostos devidos sobre a nota fiscal da pesquisa (eleitoral que João Paulo Cunha diz ter encomendado) só foram pagos cerca de dois anos depois. Os R$ 50 mil nunca foram objeto de acerto entre o acusado e o Partido dos Trabalhadores. Esse dinheiro não foi contabilizado nas contas de ingresso e saída do partido. Ademais, apesar do louvável esforço da defesa, as provas evidenciam que o dinheiro disponibilizado não teve origem na conta do PT, mas saiu da conta da SMP&B, que foram abastecidas por vários depósitos, mas nenhum do PT - disse Gilmar, para vaticinar:

- Parece que aqui não há a discutir. Acompanho o relator (na condenação de João Paulo Cunha por corrupção passiva). O mesmo em relação à imputação de corrupção ativa, de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.

Sobre a acusação de lavagem de dinheiro, o ministro citou o saque realizado pela mulher de João Paulo Cunha:

- Como afirmei, pareceu fantasmagórico a ocultação em que a própria esposa do réu recebe a importância indevida na denúncia. (...) Apenas dos documentos do Banco Rural, é que Márcia aparece como real sacadora. O que se extrai do conjunto probatório é que ele solicitou a mulher para que o fato não permanecesse público.

Quanto às acusações de dois peculatos, Gilmar Mendes seguiu o mesmo raciocínio de Rosa Weber e Cezar Peluso. No caso da subcontratação do jornalista pela IFT, absolveu o réu. Já no caso do volume de subcontratações da SMP&B, condenou-o.

- A empresa recebeu mais de R$ 1 milhão sem prestar nenhum serviço. Parece haver indevida apropriação de montante significativo - disse ele sobre a SMP&B.

Sobre os réus do caso do Banco do Brasil, ele acompanhou os demais ministros da Corte e condenou-os.

Marco Aurélio condena João Paulo por dois peculatos

Marco Aurélio Mello, ao contrário de Rosa Weber e Gilmar Mendes, considerou que houve o crime de peculato quando da contratação do jornalista Luís Costa Pinto. Ele cita um laudo do Instituo de Criminalística para demonstrar sua posição. Ele votou pela condenação de João Paulo por corrupção passiva e por dois peculatos. Marco Aurélio também condenou Marcos Valério e sócios pelos crimes denunciados na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil - exceto os crimes de lavagem de dinheiro.

- Em 31 de dez de 2003, veio a IFT ser contratada pela agência de Marcos Valério. E tivemos autorização para tanto do acusado em si, João Paulo Cunha. Houve mais duas subcontratações e aprestação de serviços tal como ocorrera anteriormente, ligada à pessoa de João Paulo Cunha. A Secom teria atestado as notas. As notas fiscais quanto à prestação de serviços. Mas há laudos do Instituto de Criminalística revelando irregularidades nessas mesmas notas fiscais. O serviço não teria sido prestado em si à Câmara, mas ao próprio João Paulo da Cunha. Não foram encontrados os denominados boletins mensais da IFT, revelando a prestação desses serviços.

Celso de Mello segue Rosa Weber

Celso de Mello discorreu longamente sobre a moralidade e os danos que a corrupção pode trazer à República e às instituições democráticas. Ele resumiu sua posição quando disse que acompanharia a ministra Rosa Weber. Ele votou pela condenação de João Paulo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e por um dos peculatos. Celso de Mello também condenou Marcos Valério e sócios pelos crimes denunciados na Câmara dos Deputados - exceto um peculato - e no Banco do Brasil.

- Eu tenho para mim, com a devida vênia, que procede a denúncia do senhor Procuradoria-Geral da República, considerado o item terceiro e as respectivas sessões quanto a todos os réus, exceto à acusação de peculato formulada por João Paulo Cunha por falta de prova em linha com a ministra Rosa Weber.

Fonte: Jornal O Globo

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