Necessidade de sancionar penalmente a conduta de sonegação fiscal
A imposição fiscal é revestida de rejeição social, nas palavras de Ives Gandra Martins, pois são comportamentos que naturalmente os cidadãos tendem a evitar ou a se afastar, mormente porque, no caso, trata-se de verdadeira constrição ao seu patrimônio. No entanto, como a tutela penal da arrecadação tributária é imprescindível, uma vez a necessidade do Estado em angariar fundos, houve por primordial a tipificação de ações de sonegação, porquanto “sem norma sancionatória, ninguém cumpriria suas obrigações fiscais – ou muito poucos o fariam – ao contrário do que se vê nas normas de aceitação social, em que a norma sancionatória é apenas aplicável aos casos patológicos, como ocorre em relação ao direito à vida” (Martins, 2002, p. 23).
À oportunidade, recorda-se de Alberto Nogueira, para quem a reconstrução dos Direitos Humanos na tributação passeia, necessariamente, pela idéia de tributo mais racional e equânime, sendo que todos, dentro de suas possibilidades, devem contribuir, sendo que nesse sistema ideal “não há lugares para sonegadores de impostos”. Infere-se textualmente de sua doutrina: “a sonegação tem duplo e sinistro efeito: favorece seu autor e penaliza o contribuinte cumpridor de seus deveres fiscais, pois é este que afinal acabará assumindo, com a inevitável elevação do tributo, o ônus não atendido por aquele. Além desse duplo efeito, sofrerá, difusamente, com a degradação dos serviços públicos que dependem para seu regular e satisfatório funcionamento em grande parte da receita tributária” (Nogueira, 1997, p. 411).
Por isso, como ensina Luciano Amaro, cumpriu ao legislador criar mecanismos, de caráter penal, para buscar a ordem no campo tributário (Amaro, 2003, p. 447-51). Tanto é assim que o Código Penal, promulgado em dezembro de 1940, já previu alguns tipos penais, como, por exemplo, o descaminho e o contrabando (art. 334), tradicionais figuras delituosas que reprimem a evasão de tributos, embora também concentrem sua força coercitiva na importação ou exportação de mercadoria proibida, buscando, desse jeito, a impermeabilidade de nosso ordenamento a ameaças externas, mesmo que sejam em forma de bens indesejáveis. Anota-se, ainda, o crime de falsificação de estampilha (art. 293, I), que, de certa feita, visa também o não desvio da incidência tributária, tendo em vista a função desse instrumento na arrecadação de imposto ou taxa.
Na seqüência, o legislador nacional especificou o recolhimento de contribuições previdenciárias arrecadadas dos segurados como forma especial de apropriação indébita na Lei n. 3.807/60 (art. 86), e, depois, seguiu mesmo procedimento com o imposto de renda, empréstimos compulsórios e para o extinto imposto de selo, quando descontados de terceiros, conforme a Lei n. 4.357/64. Todavia, foi a Lei n. 4.729/65 que realmente configurou o que se chamou de crimes de sonegação fiscal, sendo uma série de tipos penais propriamente tributários. Em seguida, o Decreto-Lei n. 1.060/69 previu prisão administrativa (requerida pelo Ministro da Fazenda à Justiça Federal) como punição ao enriquecimento ilícito oriundo da não-declaração de bens (pois o imposto relativo a essa operação pertenceria ao Estado).
Finalmente, marco no combate à sonegação fiscal, a Lei n. 8.137/90, atualmente vigente, “[...] deu disciplina penal mais ampla à matéria, alargando-se a lista de fatos típicos que passaram a configurar aquilo que ela designou genericamente como ‘crimes contra a ordem tributária’” (Amaro, 2003, p. 450).
Há quem se interessou, informo que o texto sobre o crime de sonegação fiscal (art. 1º da Lei 8.137/90) foi publicado na última revista IOB Síntese de Direito e Processo Penal, (n. 59, 2010) resultado de uma parceira com o antigo acadêmico Rodrigo de Mattos Takawassu.
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