Proposta sugerida pelo Advogado Gustavo Britta Scandelari (OAB-PR 40.675) e acolhida pelo presidente da Comissão da OAB para apresentar emendas ao Substitutivo do Projeto de Lei do Senado nº 156/09, Conselheiro Federal René Ariel Dotti.
SEGUNDA PROPOSIÇÃO
Emenda nº
Alterar a redação dos arts. 627 e 630, da seguinte forma:
Art. 627. A hipoteca legal sobre os imóveis do réu poderá ser requerida pela vítima habilitada como parte civil, nos termos do art. 78 e seguintes, desde que haja certeza da infração, indícios suficientes de autoria e indícios veementes de que o requerido tenta, artificiosamente, alienar seus bens com o fim de frustrar eventual execução ou lesar credores.
Art. 630. Se o réu não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis, observando-se as condições previstas no caput do art 627.
justificação:
1. Há de existir uma necessidade fática para o deferimento de quaisquer medidas constritivas cautelares. As medidas assecuratórias têm caráter de absoluta excepcionalidade – tal como as restrições cautelares da liberdade – somente podendo ser concedidas com a demonstração de que os acusados (ou investigados), após a (suposta) prática do crime, estariam se desfazendo de seus patrimônios ou mesmo escondendo-os, mediante fraude, com o fim de frustrar pagamentos de quaisquer valores que poderão vir a ser devidos ao Estado.
2. Para que seja viável a pleiteada constrição patrimonial, é imprescindível que o Ministério Público (no caso do processo penal) prove que a medida é recomendável porque os requeridos estariam alienando injustificadamente seus bens ou deles se desfazendo, com o intuito de frustrar quaisquer pagamentos referentes ao suposto delito. Alfredo de Araújo Lopes Costa, em passagem que bem resume a questão, ensina que “o risco de dano é pressuposto especial do arresto, como de tôda a medida preventiva.”[1] Aury Lopes Jr., em Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, expõe com didática clareza os requisitos necessários à decretação da medida assecuratória:
“(...) verifica-se que em todas elas deve haver a demonstração do fumus commissi delicti, seja para comprovar que os bens foram adquiridos com os proventos do crime (sequestro de móveis e imóveis), ou para justificar a inscrição de hipoteca legal ou o arresto, através da demonstração do dano decorrente do crime. Assim, é inafastável que a demonstração de que existem indícios razoáveis de autoria e materialidade de um crime constitui o requisito básico de qualquer medida assecuratória. Mas é no fundamento que reside a maior problemática. Se nas prisões cautelares deve-se considerar o periculum libertatis, ou seja, o perigo decorrente do estado de liberdade do imputado, que justifica assim a necessidade da prisão, nas medidas assecuratórias o perigo adquire outros contornos, mais próximos do periculum in mora do Direito Processual Civil. Isso porque as medidas assecuratórias têm como objetivo um interesse indenizatório, patrimonial e nitidamente civil. Nos casos de seqüestro, em que a medida recai sobre os bens (móveis ou imóveis) adquiridos com os proventos da infração, o foco da atenção do julgador acaba sendo o prova da origem ilícita. Uma vez demonstrados o crime e o caminho percorrido até a aquisição dos bens, o periculum passa a ser secundário, impondo-se a indisponibilidade do patrimônio. O ponto nuclear a exigir o máximo de atenção é o fumus commissi delicti.
Distinta é a situação da hipoteca legal e do arresto, onde os bens são de origem diversa, lícita e completamente desvinculados do crime. É uma medida que incide sobre o patrimônio lícito do réu, que será indisponibilizado para assegurar o pagamento das custas, multa e a indenização (resultado da ação civil ex delicti). Aqui a situação é muito mais grave e o ponto nevrálgico é a demonstração do periculum libertatis. É claro que deve haver a fumaça da prática do crime, mas o ponto mais importante da decisão é a análise do perigo de dilapidação do patrimônio, o risco de frustração da pretensão indenizatória. (...) À luz da presunção de inocência, não se pode presumir que o imputado irá fraudar a responsabilidade civil decorrente do delito, como também não se pode presumir que vá fugir, para decretar a prisão preventiva. A presunção de inocência impõe que se presuma que o réu irá atender ao chamamento judicial e assumir sua eventual responsabilidade penal e civil. Cabe ao acusador ou ao assistente da acusação demonstrar efetivamente a necessidade da medida.”[2]
3. Esses requisitos cumulativos são exigíveis para todas as medidas assecuratórias previstas no capítulo VI, Título VI, Livro I, do Código de Processo Penal (inclusive as de mesma natureza no processo civil). E, entre aquelas, também estão inseridas a hipoteca legal e o arresto. Vejam-se, nesse sentido, os seguintes precedentes, estabelecendo tais condições às medidas cautelares patrimoniais em processos de quaisquer naturezas (cível, administrativa e criminal):
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL E FALSIDADE IDEOLÓGICA. RECEBIMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO COMO APELAÇÃO CRIMINAL. SEQÜESTRO E HIPOTECA DOS BENS DOS ACUSADOS. REQUISITOS. SEQÜESTRO NÃO PODE SER USADO COMO PUNIÇÃO. INDEFERIMENTO. O seqüestro dos bens dos acusados para o fim de hipoteca legal é medida cautelar, portanto devem ser preenchidos os pressupostos gerais de fumus boni iuris e periculum in mora, próprios dessa medida processual. 3. O art. 134 do CPP prevê dois requisitos para a caracterização do fumus boni iuris, no caso específico de seqüestro para hipoteca legal: (a) a comprovação da materialidade do delito; e (b) fortes indícios de autoria, ambos presentes no caso concreto; contudo, para a caracterização do periculum in mora, por outro lado, faz-se necessária a comprovação da ameaça de dilapidação do patrimônio dos acusados, o que não restou configurado no presente caso concreto, tornando o pedido de seqüestro insusceptível de atendimento. 4. O seqüestro dos bens dos acusados no processo penal não deve ser utilizado como forma de punição, pois o ordenamento jurídico veda o confisco de bens nesses casos, assegurando o direito individual de propriedade e a livre disposição dos bens. 5. Recurso Crime em Sentido Estrito conhecido como Apelação Criminal e improvido.”[3]
*
“A decretação da disponibilidade e o seqüestro de bens, por ser medida extrema, há de ser devida e juridicamente fundamentada, com apoio nas regras impostas pelo devido processo legal, sob pena de se tornar nula. Inocorrência de verificação dos pressupostos materiais para decretação da medida, quais sejam, existência de fundada caracterização da fraude e o difícil ou impossível ressarcimento do dano, caso comprovado.”[4]
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“A lei não traça requisitos causais específicos para a indisponibilidade de bens nas ações de improbidade, assim, a medida deve pautar-se pelos pressupostos genéricos das ações cautelares em geral – o periculum in mora e o fumus boni juris.”[5]
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“A indisponibilidade/sequestro de bens nas ações de improbidade administrativa, por ser medida acautelatória extrema, pelo grande gravame que impõe ao demandado, pois de caráter restritivo, requer, para a sua concessão, não só a existência de provas relevantes de lesão ao patrimônio público e/ou enriquecimento ilícito, como também a existência de elementos concretos e factíveis que conduzam o juiz à conclusão de que eventual condenação ao pagamento/devolução de valores seja inviabilizada pela ausência de recursos, não havendo que se admitir meras presunções. 2 - A lei não traça requisitos causais específicos para a indisponibilidade de bens nas ações de improbidade, assim, a medida deve pautar-se pela presença cumulativa dos pressupostos genéricos das ações cautelares em geral - o periculum in mora e o fumus boni juris.”[6]
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“A exemplo das demais medidas cautelares, o seqüestro prévio, para ser requerido, depende da existência de dois requisitos: o fumus boni juris e o periculum in mora.”[7]
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“PENAL E PROCESSUAL PENAL. SEQUESTRO (RECTIUS: ARRESTO) DE BENS DE DENUNCIADOS PARA GARANTIA DO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS VULTOSOS POR PRÁTICAS DELITUOSAS. FUNDAMENTO DOS ARTIGOS 134 E 136 DO CPP. APELAÇÕES DESPROVIDAS. Caracterização dos pressupostos para a concessão da medida, ou seja, do ‘fumus boni iuris’ (indícios da materialidade e da autoria – já suficientes para o recebimento da denúncia que já se dera) e do ‘periculum in mora’ (pelo receio da dissipação de bens, que já estaria a ocorrer quanto a alguns dos denunciados).”[8]
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“PROCESSUAL PENAL. MEDIDA CAUTELAR DE SEQÜESTRO. EXTENSÃO TEMPORAL DOS EFEITOS. Presentes os pressupostos legais (plausibilidade e periculum in mora) e revelando-se necessária e adequada a medida, há que ser mantida a decisão recorrida.”[9]
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“Não demonstrada a existência de um perigo, ou seja, risco de se tornar difícil ou impossível a execução da futura sentença na ação principal, é de confirmar-se a improcedência da ação cautelar de seqüestro.”[10]
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“(...) Oportuno é lembrar que o ‘seqüestro’, é uma medida espúria e extrema, devendo ser deferida, ainda que observado os requisitos legais, com a máxima cautela do juiz. Nestes autos não há notícias de que os requeridos estão desfazendo-se de seus bens, possuem residências fixa e família constituída; não estando os mesmos em estado de insolvência. Assim, não há como deferir o pedido de seqüestro de bens.’ (...) In casu, verifica-se que o processo está na fase de execução de sentença, visto que, não existe indícios de que os agravados estão desfazendo de seus bens, assim, como bem entendeu o Togado a quo na decisão agravada: ‘Nestes autos, não há notícias de que os requeridos estão desfazendo-se de seus bens, possuem residências fixa e família constituída; não estando os mesmos em estado de insolvência. Assim, não há como deferir o pedido de seqüestro de bens’ (fls. 12). Portanto, o seqüestro por ser uma medida violenta e excepcional que só deve ser aplicada com muita cautela, em casos absolutamente pertinentes e justificáveis, como providência assecuratória de direitos. Assim, não existem os requisitos para o deferimento da medida almejada.”[11]
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“Não basta dizer, no caso de medida cautelar, que estão presentes o ‘fumus boni juris’ e o ‘periculum in mora’ cumpre dizer porque.”[12]
4. É inegável que a hipoteca legal e o arresto têm natureza cautelar. Localizam-se, no Substitutivo, no Livro que tem “medidas cautelares” no título. Assim, para a sua decretação, imprescindível não só o fumus boni iuris, mas, também, o periculum in mora, que está atrelado à existência de um risco concreto, que justifica a adoção de medidas preventivas para afastá-lo. Todavia, faz-se necessário que esse risco não seja fruto de uma suposição, mas, sim, de uma necessidade fática comprovada.
5. Aliás, o próprio Código de Processo Civil já indica o rumo a ser seguido para que se possa identificar a existência ou não do já citado risco. Com efeito, o art. 813 do CPC[13] estabelece hipóteses para a concessão do arresto. Entre elas, inexiste uma que não esteja umbilicalmente ligada à constatação do periculum in mora.
6. A simples denúncia, per si, cujo recebimento pede a existência dos indícios de autoria e de materialidade, não justifica a decretação da medida cautelar, eis que a mesma pode ser rejeitada e, caso processada, a ação pode ser julgada improcedente. Se assim o fosse, a medida cautelar seria automática e necessariamente deveria ser determinada em todas as ações penais na quais é analisado crime de que resulta (in thesis) dano ou condenação à multa. Aliás, em qualquer ação penal caberia a cautelar, já que em todas há custas processuais. E, se for assim, não se tratará de media cautelar.
[1] Medidas Preventivas, 2ª ed., Livraria Bernardo Álvares, Belo Horizonte, 1958, p. 77. Destacamos.
[2] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. vol II. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009, p. 183-184. Destacamos.
[3] TRF 5 – RSE 200505000063873 – Rel. Des. napoleão maia filho – 2ª T. – DJ: 2.8.2006. Destacamos.
[4] STJ – AGRESP 200200354575 – Rel. Min. josé delgado – 1ª T. – DJ: 9.9.2002. Destacamos.
[5] TRF 1 – AC 200335000105465 – Rel. rosimayre gonçalves de carvalho – 4ª T. – DJ: 6.7.2007. Destacamos.
[6] TRF 2 – AC 200251010096699 – Rel. Des. frederico gueiros – 6ª T. Especializada – DJ: 2.9.2009. Destacamos.
[7] TRF 4 - 2ª T. - ACR 0462678/PR – Rel. Juiz jardim de camargo – julgado em 17.12.98 – Grifos nossos.
[8] TRF 2 – ACR 200202010059822 – Des. marcia helena nunes – 1ª T. Especializada – DJ: 13.3.2009. Destacamos.
[9] TRF 2 – ACR 200751018067522 – Rel. Des. liliane roriz – 2ª T. Especializada – DJ: 12.2.2008. Destacamos.
[10] TJPR - 4ª C. Cível - Apelação Cível 14684500 – Rel. Des. ronald accioly – j. 12.6.91 – acórdão n° 7292. Destaques nossos.
[11] TJSC – 3ª C.C. – Ag. Instr. 97.013458-4 – Rel. Des. eder graf – j. 14.4.98. Destacamos.
[12] TJPR - 4ª C. Cível – Apelação Cível 00000359 – Rel. Des. wilson reback – j. 1.6.88 – acórdão n° 4903. Destacamos.
[13] “Art. 813. O arresto tem lugar: I - quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II - quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV - nos demais casos expressos em lei.”
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