sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Para refletir

Esse texto constitui a conclusão da dissertação que encaminhei ao IBCCRIM para participar do concurso de monografias da última edição do Congresso Internacional. Espero que gostem. Bom final de semana.
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Para Bockelmann e Volk, “é inevitável que no julgamento sobre o que é direito o juiz seja influenciado por suas concepções sobre o que deveria ser o direito”. Porém, na atualidade, ressalte-se, uma atualidade inquietante, a tarefa do julgador não é pensar simplesmente sobre o direito, mas também sobre a justiça do direito. É a justiça, mais do que o direito, que serve aos anseios de um Direito Penal Democrático.

Para tanto, não há como não olhar o novo com olhos de novo, não há como deixar de acompanhar os penalistas balizados, pois, do contrário, para julgar com justiça, como irão se atualizar os magistrados quanto ao avanço da dogmática jurídico-penal? Prescindir daqueles que compõem a verdadeira Ciência Penal para advogar um direito penal pessoal fatalmente ocasionará uma aplicação antidemocrática das normas penais.
Ainda quando julgador, Humberto Gomes Barros, em uma infeliz manifestação afirmou que era fundamental expressar que ninguém poderia dar lições a um ministro do Superior Tribunal de Justiça, porquanto um ministro não é aprendiz de ninguém e que era a doutrina que deveria se adequar ao posicionamento deste tribunal . Este ex-ministro e outros atuais precisavam ouvir Vittorio Grevi, Professor Catedrático de Processo Penal da Universidade de Pavia, Itália, que, perguntado sobre como deveria ser a atuação de um juiz respondeu em poucas palavras: “o ato de aplicar a lei não comporta situação de egoísmo”.
Os magistrados sabem que os penalistas balizados não ocuparão as suas cadeiras, como também sabem que não retirarão suas autoridades de jurisdição. Contudo, também deveriam saber que aqueles auxiliam com pensamentos diversos ao abc do direito penal que costuma circundar pelos gabinetes das Instâncias de Controle, fruto do trabalho dos penalistas da moda, ou melhor, penalistas não, dos marqueteiros da moda.
O abandono por parte dos julgadores dos verdadeiros pensadores do direito penal pode ser demonstrado por meio de dados concretos. Escolhi alguns nomes de profissionais que escrevem obras de direito penal: Damásio de Jesus, Fernando Capez, Juarez Cirino dos Santos, Juarez Tavares, Luís Greco e Nilo Batista. Em seguida, procedi uma busca de cada qual nas Cortes Superiores e formei um pódio levando em consideração o número de citações que cada qual recebeu (realizei a pesquisa no até o mês de abril de 2010). Vejamos.
O pódio no Supremo Tribunal Federal foi assim preenchido: medalha de ouro para Damásio de Jesus, medalha de prata para Fernando Capez e medalha de bronze para Nilo Batista. O pódio no Superior Tribunal de Justiça apresentou pequena alteração: medalha de ouro para Fernando Capez, medalha de prata para Damásio de Jesus e Nilo Batista foi o medalha de bronze.
Vamos aos números, considerando que meu critério consistiu em colocar o nome de cada qual entre aspas no processador de busca dos sítios eletrônicos de cada respectivo Tribunal e não desconsiderei possíveis homônimos (réus).
Damásio recebeu noventa citações e Capez recebeu vinte citações na consulta ao Supremo Tribunal Federal. Na mesma corte todos os doutrinadores receberam vinte e oito citações, assim distribuídas: Nilo com onze lembranças; Juarez Cirino com nove; Juarez Tavares com oito; e, Greco ainda não é conhecido dos Ministros, mesmo sendo mestre e doutor em direito penal pela respeitada Universidade de Munique. Aliás, o nome de seu professor, Claus Roxin, é recordado doze vezes, mas somente em três oportunidades em matéria de direito penal e todas, sem exceção, ligadas ao princípio da bagatela.
Em relação ao gosto do Superior Tribunal de Justiça temos que Capez foi citado duzentas e vinte vezes e Damásio cento e sessenta vezes. Os outros quatro, mesmo reunidos, computam total inferior ao somatório dos primeiros. Respectivamente: Nilo Batista com cento e trinta e três citações; Juarez Cirino com cento e dez lembranças; Luís Greco com dezenove recordações; e, Juarez Tavares com somente três. Finalmente, Roxin foi citado em cinquenta e nove decisões.
Esses dados colaboram para que os grandes vencedores republiquem anualmente suas obras. Aliás, o número de edições somadas dos dois vencedores, considerando apenas os seus manuais, ultrapassa a minha idade. O curioso é que levei menos de ano para descobrir o desvalor destas e o valor das obras daqueles que ocuparam colocações mais modestas na pesquisa. São números preocupantes e por isso diariamente questiono quanto tempo será preciso para os campeões serem substituídos ou continuará valendo o ditado futebolístico que em time que está ganhando não se mexe?
A questão é pertinente, pois os pré-entendimentos jurídicos são preferencialmente fixados com base em seus escritos e, por si só, isso se revela perigoso, por tudo o que foi exposto. É suficiente recordar da criação de fictícios bens jurídicos coletivos, como a segurança no trânsito. Contudo, o mais perigoso é que dessa exaltação deriva grave conseqüência: a jurisprudência continua desconhecendo as doutrinas daqueles que realmente pensam o direito penal, daqueles que compõe uma verdadeira Ciência Penal.
Atualmente, a ânsia de vender “livros” faz com que autores marqueteiros, tão logo publicada uma lei – ou mesmo antes – já estejam com seus comentários prontos. Soluções científicas para determinados problemas dificilmente serão propostas, mas desta forma a fama será preservada e permanecerão as vendas, os ganhos e as ilusões. Aquele chavão eleitoral cabe perfeitamente: chega dos mesmos!

Posto isto, uma interpretação da norma penal com respaldo em “autores” e em marqueteiros é perigosa e, sendo poucos os togados que contribuem de maneira positiva, por evidente os demais operadores de direito e, mais precisamente, os operadores acadêmicos, devem estar atentos as decisões jurisprudenciais. O problema, no entanto, é que vivemos um abismo enorme entre Magistratura e Ciência Penal, entre a prática e a teoria. Descrevo os três principais fatores em minha opinião.

Primeiramente, raros são os magistrados que aceitam as críticas acadêmicas sem recebê-las como falta de respeito ao trabalho realizado. Mas o que falta não é o respeito, mas a humildade de alguns magistrados reconhecerem suas limitações e aceitarem todas as críticas de maneira construtiva. O mais interessante é que aqueles magistrados que teriam autonomia intelectual para contestar, preferem refletir e, várias vezes, revêem seus posicionamentos. Estes, inclusive, há muito tempo perceberam que o objetivo acadêmico não é a imposição de idéias, mas a promoção de diálogo recíproco, pois a ciência precisa da jurisprudência, como esta necessita daquela. Em síntese, é muito proveitoso quando há cumplicidade entre o Magistério e a Magistratura, mas essa relação dificilmente ocorrerá com os imperadores ou deuses magistrados intocáveis.

O segundo fator da cisão destacada decorre do fato de a docência ser composta por membros do Poder Judiciário, representantes do Ministério Público e por advogados. O problema não está em tais pessoas ensinarem, porém fazerem da docência um segundo ofício e, com isso, salvo poucas exceções, livres do compromisso de pesquisas e atualizações, evitam provocar a discussão sobre uma análise jurisprudencial interpretativa para não causar intrigas com seus pares (os dois primeiros) ou para garantir menos prejuízos em futuros julgamentos (os dois últimos).

O último fator é intrínseco à atividade docente. Aqueles que fazem a docência como um segundo ofício, salvo raríssimas exceções, acabam seguindo a doutrina penal dos marqueteiros e, assim, alcança-se um círculo vicioso, um alimentando o outro, numa tautologia sem fim, porque se aqueles, além de ocuparem as linhas das decisões, também dominarem os bancos escolares, não haverá outro solução senão começarmos novo curso universitário ou também nos dedicarmos a atividade empresarial.

Um comentário:

  1. Eu bem entendo isso. Lamento tanto de ter tido direito penal à base de Mirabete e Capez. Não fosse por professores como vc, hj seria mais mais uma adepta desses marqueteiros aí.
    Mas eu preciso estudar muito ainda. Espero chegar lá.

    Abs

    Paola

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