Apesar de algumas discordâncias, o Estatuto da Igualdade Racial começou a vigorar no país no dia 20.10.2010. O projeto de lei, que originou o estatuto, tramitou por sete anos no Congresso antes de ser sancionado pelo presidente em julho deste ano.
O documento estabelece quais ações e comportamentos são considerados atos de discriminação racial. Também define que a população negra brasileira é formada pelo "conjunto de pessoas que se auto declaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição análoga".
O Estatuto também alterou os arts. 3o e 4o da Lei no 7.716, de 1989 (que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”), a fim de criminalizar atos discriminatórios no âmbito laboral, principalmente que restrinjam a promoção funcional de pessoas negras.
Contudo, os enfoques do Estatuto são: políticas públicas e ações afirmativas. Ele tenta influenciar a gestão pública nas escolhas da administração. O estatuto passa a garantir a participação de representantes do movimento negro em conselhos de saúde e de representantes das religiões africanas em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao Poder Público.
A versão inicial do Estatuto previa cotas para negros em escolas técnicas e universidades públicas, no entanto, tal previsão foi retirada do projeto pelo Senado. Na área educacional, o que permaneceu foi a obrigatoriedade do ensino da história geral da África e da população negra no Brasil em escolas públicas e privadas do país.
É fato notório que as comunidades quilombolas são constantemente ameaçadas por ações de despejo. Neste aspecto, o Estatuto buscou garantir um mecanismo de defesa para as comunidades, assegurando que os remanescentes de quilombos que estiverem ocupando suas terras terão propriedade definitiva no registro de propriedade.
O estatuto teve origem em um projeto de lei apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em 2003. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência, o estatuto alcança 90 milhões de brasileiros e é um "instrumento legal que possibilitará a correção de desigualdades históricas".
Mesmo sabendo-se que as conquistas devem ser para além do Legislativo, o movimento negro tende a continuar investindo na relação com o Legislativo. Esta tendência decorre do crescimento do número de deputados negros, que passou de 12 para 22, e a conquista de maioria na Câmara e no Senado pelos partidos de centro-esquerda aliados ao Governo Lula.
Em entrevista veiculada na Agência de notícias da Câmara, o diretor-executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos afirmou: “O fato de ter um número maior de deputados e senadores de centro-esquerda nos deu esperança. Antes das eleições, a estratégia do movimento negro era esquecer de vez o Legislativo e buscar os avanços no Executivo. Fechadas as urnas, vamos redimensionar a atuação no Congresso”, disse o diretor-executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos.
O diretor-executivo do Educafro disse ainda que o movimento quer rever pontos do Estatuto da Igualdade Racial para que o texto seja mais impositivo. É o caso, por exemplo, da instituição de cotas. O texto atual permite que as administrações públicas instituam políticas de ação afirmativa, mas não obriga que isso seja feito.
No âmbito do sistema de justiça penal, as respostas para diminuir a desigualdade racial não são positivas.
De acordo com reportagem do Jornal Valor Econômico, uma pesquisa feita pelo Núcleo de Direito da Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Direito GV no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), de 26 processos de um total de 226 ações judiciais sobre racismo em tramitação de 1988 a 2005 no TJSP, apenas dez tiveram decisões de mérito que trataram da questão do racismo - sendo que em seis delas os acusados foram absolvidos e em outras quatro foram condenados. Ainda assim, as condenações foram dadas por crime de injúria racial e não por crime de racismo.
Embora tanto a pena por injúria quanto a por racismo seja de um a três anos de prisão, a escolha da Justiça por tipificar os casos como injúria acaba trazendo maior dificuldade no andamento da ação. Isso porque, ao alterar a infração de crime de discriminação, previsto na Lei nº 7.716, de 1989, para crime de injúria racial, previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, o processo deixa de ser uma ação pública, movida pelo Ministério Público, e passa a ser uma ação individual, que deve ser movida pela própria parte ofendida. Além disso, a ação passa a ter um prazo de seis meses desde o fato ocorrido para ser impetrada na Justiça, sob pena de prescrição. Já no caso de discriminação racial, o crime tem caráter imprescritível.
Por conta do reduzido prazo de prescrição do crime de injúria, das 16 ações restantes selecionadas pelos pesquisadores e que não tiveram decisões de mérito - em que o TJSP analisou apenas se elas deveriam ou não ter seguimento na primeira instância - sete delas foram extintas. Uma por falta de provas e outras seis por conta de terem ultrapassado o prazo de seis meses. Outras três ações tratavam apenas de questões processuais e em seis o TJSP decidiu pelo seguimento na primeira instância.
Para Marta Machado, professora da Direito GV e uma das coordenadoras do projeto, "a solução seria uma alteração na lei para colocar a tipificação de conduta de injuria racial passível de uma ação civil pública, que não estaria submetida a esse prazo de prescrição".
Além dessas dificuldades na persecução penal dos crimes de racismo, o sistema de justiça penal continua sendo. Recentemente, foi divulgado o relatório “Mapa da Violência 2010: Anatomia dos Homicídios no Brasil”, elaborado pelo Instituto Sangari.
Segundo o relatório, um jovem negro sofre um risco 130% maior de vir a ser vítima de homicídio do que um jovem branco. O retrato é semelhante em todas as faixas etárias, mas chamam mais atenção os números referentes a ocorrências nas quais as vítimas são jovens, porque essa faixa etária segue sendo a mais afetada pela violência em todo o País.
Esta realidade desconfirma qualquer reminiscência de uma visão lambrosiana de criminoso, a qual relacionava supostas tendências criminosas com o biotipo do infrator. A população negra, ao revés, principalmente os jovens, são as principais vítimas da violência. As mortes dos jovens negros devem servir como um alerta às autoridades. A segurança pública não pode ser privilégio das áreas mais ricas das grandes cidades e as mortes de jovens negros não pode ser banalizada.
Fonte: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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