Em uma primeira decisão proferida por este Tribunal de Justiça no julgamento da apelação criminal n. 06.025384-3, da Capital/Estreito, de relatoria do Des. Jorge Mussi, os membros desta Câmara entenderam que sobre a pena fixada na sentença com fulcro no art. 12 da Lei n. 6.368/76, deveria incidir a fração de diminuição em dois terços.
Porém, a incidência da redução em face da referida circunstância em seu grau máximo, sobre a pena mínima prevista na lei anterior afronta claramente a atual proposta de política criminal que o Estado elaborou para o combate do tráfico.
Por isto, observando as teses doutrinárias e jurisprudenciais elaboradas sobre o assunto, longe da pretensão de formular um paradigma, mas procurando evitar a burocratização do Judiciário Catarinense, este relator acatou a tese sugerida por seu Assessor e Professor da Universidade Federal deste Estado, Leonardo Schmitt de Bem, defendida no I Congresso Catarinense de Direito Penal, à qual esta Segunda Câmara Criminal também se filiou, ao menos num primeiro momento a fim de iniciar a discussão sobre o tema; a seguir resumida em seus pontos mais relevantes.
A aplicação da causa de redução é imperiosa quando cumpridas as condições legais, uma vez que se deve observar o princípio da retroatividade da lei penal mais favorável.
Contudo, a redutora refere-se a um contexto diverso daquele contemplado na legislação vigente à época em que o acusado realizou a conduta, razão pela qual é necessária a definição da real variação da fração incidente sobre a lei vigente quando do cometimento do fato. Para tanto propõe-se uma fórmula em cinco tempos:
1) Com a pena base fixada ao acusado deve-se descobrir a equivalente na Novíssima Lei de Drogas;
2) Fixada a equivalência deve-se proceder à aplicação das leis penais sucessivas, porém, sem combiná-las (processo mental hipotético);
3) Das operações feitas deve-se trasladar “hipoteticamente” o melhor resultado para aplicá-lo como o mínimo de pena a ser cumprido por quem desrespeitou o comando legal que vigia ao tempo do cometimento da ação;
4) Com base neste “limite imaginário”, não aplicado de forma imediata, o intérprete descobrirá o patamar mínimo e máximo da fração que pode incidir sobre a pena fixada na condenação; e,
5) Estabelecida a real variação das frações a ser observada, deve o intérprete considerar os parâmetros factuais para sua correta aplicação.
Aplicando ao caso concreto este procedimento, chega-se à seguinte conclusão:
1) A pena imposta ao apelante Júlio na sentença foi de 5 (cinco) anos, com base na lei antiga; e tem como equivalente, na novíssima lei de drogas, a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses.
A razão de buscar a equivalência reside no fato da Lei n. 11.343/06 apenas ter trazido a previsão da causa de diminuição diante de ter aumentado a pena imposta para o delito de tráfico. Caso mantivesse-a entre os patamares de três e quinze anos, a novidade não existiria.
2) Como a Lei n. 6.368/76 não previa a redutora, mantém-se a pena final imposta na sentença, e tendo em vista que a nova lei prevê a causa de redução, deve esta incidir, mas considerando a fração máxima sobre a pena equivalente na Lei n. 11.343/06.
Com a aplicação sobre a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses – que é a equivalente a 5 (cinco) anos da lei antiga – da fração de 2/3 (dois terços), tem-se como resultado 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, quantum mínimo da reprimenda que o réu deveria cumprir.
3) Esta operação é a que melhor representa o propósito de combate ao crime de tráfico delineado pela novíssima lei sem afrontar, inclusive, o direito do agente à incidência da minorante sobre a pena da antiga legislação.
Poder-se-ia argumentar que o terceiro procedimento ofende o princípio da legalidade, entretanto isto não ocorre, pois bem explanou o docente que o quantum determinado não é aplicado de imediato, porque ele corresponde a uma operação realizada sobre uma lei que não vigia à época dos fatos. Daí ter sustentado, apenas, que com base nessa medida “hipotética” chega-se à variação da fração a ser aplicada sobre a pena fixada na sentença condenatória.
Em outras palavras, deve ser aplicada a variação (de um sexto a dois terços) sobre a pena final fixada com fundamento na Lei n. 6.368/76 para descobrir a fração ideal de redução, sem olvidar, entretanto, de respeitar o “limite hipotético” de pena equivalente, porquanto apenas assim não são relegadas a um plano secundário as diretrizes gravosas estabelecidas na nova lei em relação ao tráfico de drogas.
4) Aplicando-se sobre a pena fixada – no caso cinco anos – a variação das frações previstas no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06 tem-se, por exemplo: a) se incidir a diminuição em 1/6, uma pena de quatro anos e dois meses; b) se incidir em 2/3, uma pena de um ano e oito meses.
Relembre-se, porém, que o quantum de pena a ser cumprido pelo réu não pode ser fixado aquém do “limite imaginário” a que se chegou no 2º tópico, qual seja, 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Daí decorre que na hipótese em apreço a real variação da fração ficará limitada entre o mínimo de 1/6 (um sexto) e o máximo de 11/20 (onze vinte avos), pois aplicada esta última fração sobre a pena imposta na sentença chega-se a 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão.
5) Resta então analisar os parâmetros factuais para fixar a fração exata. No caso concreto, seria incoerente considerar as circunstâncias da quantidade e natureza da droga, porquanto já majoraram a pena-base e, em face da inexistência de circunstâncias legais, haveria uma simples compensação.
Destarte, compulsando os autos verifica-se que o agente não realizou a conduta ilícita em sua morada familiar, que o tempo despendido por parte dos agentes públicos na diligência de sua prisão foi pequeno, que não houve prejuízo à segurança pública e, por fim, que ele não dificultou sua prisão, razão pela qual estas circunstâncias lhe são favoráveis, devendo a redução incidir na fração máxima.
Portanto, adequada a diminuição da pena imposta na sentença – 5 (cinco) anos de reclusão – na fração ideal de 11/20 (onze vinte avos), o que corresponde a 55% (cinqüenta e cinco por cento) de redução, resultando numa pena final de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão.
Em relação à pena de multa, cumpre destacar que a incidência deste raciocínio resultaria num quantum superior ao estabelecido na sentença, razão pela qual, não havendo recurso da acusação a respeito, mantém-se os 70 (setenta) dias-multa fixados, sob pena de configuração da reformatio in pejus.
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Meu estudo foi publicado na Revista IOB Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n. 44. Porto Alegre, 2007.
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O Ministério Público de Santa Catarina impetrou recurso especial contra a decisão referida requerendo que fosse expurgada do cálculo da pena a causa de diminuição com previsão no art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06, sob o argumento de que a redutora não poderia ser aplicada a fatos praticados sob a vigência da lei anterior. Vemos, portanto, uma oposição à fórmula proposta e aceita pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O recurso foi indeferido quanto a este pedido sob a tese da possibilidade de retroatividade de lei mais benéfica. Mas a Corte Superior acatou outro pedido relacionado aos maus antecedentes do acusado restabelecendo-se a pena inicial no quantum fixado na origem, porém manteve a redução estabelecida pelo Tribunal de origem em razão da aplicação do at. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 [1] o que significou uma aceitação implícita da tese por mim sugerida.
Quem sabe algum Ministro do STF não fica sabendo desse estudo e entende de aplica-lo ou aperfeicoa-lo
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