Na semana passada estive em Salamanca participando do 23° Congresso Universitário de Alunos de Direito Penal. Tive a companhia de alguns alunos de graduação da Universidade de Castilla-La Mancha, campus Albacete. A ocasião foi ótima para verificar a opinião de vários professores sobre as reformas verificadas no Código Penal Espanhol em vigor desde dezembro de 2010.
O primeiro bloco de palestras se referiu ao tema da responsabilidade penal dos entes coletivos. Luigi Foffani, Catedrático de Direito Penal na Universidade de Modena, Itália, traçou um paralelo entre a legislação de seu país e a reforma espanhola. A principal diferença é que na "Velha bota" as sanções têm natureza administrativa, ao passo que na legislação ibérica elas têm cunho penal. Uma semelhança é que em ambas não é possível a punição de pessoas jurídicas de direito público ou que prestam serviços de importância constitucional (como, por exemplo, os partidos políticos). O ilustre professor também discorreu sobre o conceito de culpabilidade das pessoas jurídicas no sentido de se tratar de um "defeito de organização" (Klaus Tiedmann). Na seqüência palestrou o professor da Universidade de Valladolid, Manuel Gómez Tomillo, mencionando a necessidade de um nexo de atuação, ou seja, a pessoa física que pratica o delito deve integrar a pessoa jurídica. Também discorreu criticamente sobre o "defeito de organização" enfatizando que não há de se falar em déficit de organização, por exemplo, em situações em que torcedores arremessam para dentro do campo rádios, garrafas plásticas ou outros, porquanto é impossível que os sistemas que fazem a segurança possam detectar tais infrações. Depois, Ivan Meini, Professor Ordinário de Direito Penal na Universidade Católica do Peru, em linhas gerais, destacou o fator empresa como gerador de riscos na atual sociedade (Ulrich Beck). Destacou que o defeito de organização deverá ser considerado pela falta de vigilância ou controle por parte da pessoa jurídica em relação a seus funcionários. Ainda questionou sobre a responsabilização da pessoa jurídica no caso de holding de empresas, isto é, seria possivel extender a todo grupo de empresa o defeito de organização que se verifica em uma das empresas àquele grupo pertencente? Respondeu que isso não é correto, pois uma responsabilidade indireta representaria consagrar a responsabilidade objetiva, vetada em Direito Penal.
O congresso seguiu com palestras relacionadas aos novos delitos de mobbing, pirataria e tráfico de órgãos humanos com a presença dos Professores Catedráticos Ramón García Albero (Lleida), Carmen Gómez Rivero (Sevilla) e da Professora Ana Pérez Machío (Universidad del País Vasco). Especificamente sobre o tráfico de órgãos, declinou o professor Ramón que se trata de problema transnacional e em que qualquer hospital na Espanha se pode realizar facilmente. Destacou quais os bens jurídicos que merecem a proteção penal, pelo que recorreu a bens individuais (tutela da saúde do doador, da vida do receptor e da dignidade de ambos) e aqueles que se podem chamar supraindividuais (altruísmo, solidariedade, etc.).
Temas como o sistema de sanções penais, a liberdade vigiada, as alternativas a pena privativa de liberdade foram debatidos por Eduardo Demetrio Crespo (Catedrático na Universidade Castilla-La Mancha), José María Sumalla (Catedrático na Universidade de Lleida), Julian Carlos Martín (Professor da Universidade de Comillas em Madrid) e Manuel Morán Gonzáles (Magistrado de Salamanca). O tema é interessante porque a Espanha é considerada na União Européia como o país com o maior número de detentos, sem embargo não seja aquele em que se verifique o maior número de delitos. Isso significa, portanto, que as penas cominadas aos delitos são muito altas.
Entre os demais módulos, destaco aquele relativo à criminalidade desportiva. Trata-se de tema que é muito discutido na Espanha em razão do legislador prever, textualmente, a punição penal pelo doping desportivo, pelas fraudes desportivas, entre outros. Rosario de Vicente, Catedrática de Direito Penal na Universidade Castilla-La Mancha abriu os trabalhos frisnado a não incidência do direito penal nesse setor, reivindicando a consagração da ultima ratio. Na sequencia falaram os professores da Universidade de Extramadura (Emilio Cortés) e Alicante (Antonio Doval) pelo que igualmente enfatizaram a intervenção mínima do direito penal na seara desportiva.
O discurso de encerramento foi proferido pelo ilustre Francisco Muñoz Conde.
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