Por ter ateado fogo à casa de seus ex-sogros, onde morava também sua ex-esposa, W.J.L. foi condenado à pena de 6 anos de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e 19 dias-multa. Ele foi denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de incêndio qualificado (art. 250, § 1.º, inciso II, alínea a, combinado com o art. 258, ambos do Código Penal).
Essa decisão da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná reformou parcialmente a sentença do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Arapongas que julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia.
O fato
Essa decisão da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná reformou parcialmente a sentença do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Arapongas que julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia.
O fato
No dia 3 de julho de 2001, por volta das 13 horas, na cidade de Arapongas (PR), W.J.L. adentrou na residência de seus ex-sogros, onde também morava sua ex-esposa, e espalhou gasolina pelos cômodos e sobre o seu próprio corpo. Em seguida, ateou fogo com um isqueiro, provocando, assim, uma explosão. Ele foi arremessado em direção à porta. Ao vê-lo em chamas, sua irmã, T.L.L., (que fora à casa dos ex-sogros do réu para tentar impedir que ele lá entrasse) foi socorrê-lo e acabou sofrendo queimaduras que foram caracterizadas como lesões corporais gravíssimas.
Interrogado em Juízo, disse o réu (W.J.L.) que, um dia antes do fato, ele havia presenciado um ato de “adultério” de sua ex-exposa (segundo o réu, ela ainda estava casada com ele). Informou também que procurou seu ex-sogro para contar-lhe o ocorrido, ocasião em que ambos se embriagaram num bar. Ao retornar a casa, seu ex-sogro teria agredido sua ex-sogra. No dia seguinte, sua ex-sogra telefonou-lhe para dizer que mandaria matá-lo ou prendê-lo. Respondeu que não era preciso, pois ele iria suicidar-se dentro da casa dela. Na manhã seguinte, após passar uma péssima noite, foi até a casa dos ex-sogros, jogou gasolina em seu próprio corpo e em alguns cômodos e ateou fogo com um isqueiro. Nesse momento houve uma explosão e ele foi jogado em direção à porta, quando, então, sua irmã tirou-lhe as roupas, que estavam em chamas.
Os recursos de apelação
Tanto o Ministério Público quanto o réu recorreram da decisão de 1.º grau. O primeiro postulou a reforma da sentença no que se refere à capitulação (para excluir o pretenso crime continuado ou concurso formal) e pediu a readequação da pena aplicada. O segundo (o réu) sustentou, entre outros argumentos, que agiu sob violenta emoção provocada por ato injusto da vítima (que o traíra) e sem dolo (não pretendendo atingir o patrimônio nem a incolumidade física de terceiros), pois ateou fogo no próprio corpo (ficando um ano sem trabalhar, em razão das queimaduras sofridas), além de ter dito para as pessoas que se evadissem do local. Disse também, relativamente às queimaduras sofridas por sua irmã, que ela agiu de forma voluntária, pois, ao ver o irmão em chamas, foi tentar ajudá-lo para que não morresse, e acabou se queimando, sendo este fato inábil para qualificar o crime e exasperar a pena. Argumentou ainda que não houve prejuízos de ordem material, pois a residência contava com seguro, que foi pago pela seguradora. Aduziu que a sua sogra vinha ameaçando-o de morte e que tal delito ficou impune.
O voto da relatora
O voto da relatora
A relatora do recurso de apelação, juíza substituta em 2.º grau Lilian Romero, no que diz respeito ao mérito, consignou inicialmente: “Não há controvérsia quanto à ocorrência do incêndio, à sua dimensão e à sua natureza intencional. A prova do crime e de tais fatos está consubstanciada nas fotografias de fls. 26/28 e no laudo de exame de local de incêndio nº 47170, às fls. 32/37, que atestou que o incêndio foi provocado por ação humana. Quanto à autoria, o réu confessou o crime perante a autoridade policial e também ao ser interrogado em Juízo”.
Contestando a tese da defesa que buscou a absolvição do apelante (réu), sob a alegação de que ele agiu sem dolo, ou então a mitigação da pena aplicada, sob o argumento de que teria ele agido sob violenta emoção e compelido por relevante valor social ou moral, asseverou a relatora que pelas declarações do réu, em seu interrogatório, depreende-se que: “já estava separado (ao menos de fato, tanto que sempre se referiu à ex-esposa, ex-sogra, ex-sogro, etc.), não havendo que se falar em adultério; o suposto conhecimento do pretenso ‘adultério’ ocorrera no dia anterior, portanto no momento dos fatos o réu já não poderia mais invocar a pretensa violenta emoção; ademais no momento dos fatos a ex-esposa não estava no local, afastando-se também a tese de ter o réu agido compelido por motivo de relevante valor social ou moral; a conduta foi premeditada, tanto que o réu tirou gasolina do seu carro e levou-a para o interior da casa dos ex-sogros e ex-esposa; portando, não procede a tese de ausência de dolo”.
“O fato de o apelante ter jogado gasolina sobre o próprio corpo e ateado fogo em seguida não exime sua responsabilidade com relação aos fatos. Isto porque, simultaneamente, jogou gasolina também na casa, conduta esta que se subsume perfeitamente ao crime de incêndio (causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física, ou o patrimônio de outrem art. 250, caput, CP), qualificado porque provocado em casa habitada (§ 1º, inc. II, alínea a, CP) assim como pelas lesões graves causadas a sua irmã [...] (art. 258, CP). Ou seja, ao mesmo tempo em que atentou contra a própria vida (fato impunível) o réu expôs a perigo real tanto o patrimônio de terceiros, como a vida destes”, asseverou a juíza relatora.
“O fato de a seguradora ter supostamente coberto os prejuízos materiais causados à casa também não elide o delito, até porque os bens jurídicos tutelados pela norma (art. 250, CP) não se limitam ao patrimônio, mas também alcançam a incolumidade de terceiros, que foram expostos a perigo concreto.”
“Deve ser confirmada, outrossim, a qualificadora do art. 258 do CP (lesão grave), tendo em vista as lesões corporais (inclusive deformidade permanente) sofridas pela irmã do réu [...], conforme demonstra o laudo de lesões corporais de f. 51. A tese de que a qualificadora não se caracterizaria porque os ferimentos decorreriam de ato voluntário de Tatiane não pode ser acatada. É certo que ela estava presente no local dos fatos (foi para lá mandada pela mãe) e se lançou sobre o réu quando ele ateou fogo no próprio corpo, visando a salvá-lo. O ato heróico de Tatiane, e as queimaduras consequentes sofridas por ela, foram causadas de forma direta pela conduta do réu, que criou a situação de perigo e pôs em risco um bem que ela procurou proteger. No caso concreto, a irmã do próprio criminoso é que se lançou nas chamas ateadas pelo réu para salvá-lo. Mas poderia ser uma mãe tentando acudir um filho pequeno, ou um morador tentando salvar algum pertence ou até um animal de estimação. Por isso, independentemente da ‘voluntariedade’ da conduta da vítima, se ela se pôs em perigo e se lesionou ou morreu por força da situação criada por ele, a qualificadora do art. 258 do CP tem incidência.”
“Por fim, a alegação do réu de que sua sogra estava ameaçando-o e tal crime ficou impune é totalmente estranha ao feito, até porque não integrou a narrativa da denúncia. Ademais, tal fato somente teria relevância se se caracterizasse legítima defesa (o que não é o caso!).”
“Pelo exposto, a condenação do réu como incurso no art. 250, §1º, inc. II, alínea a, c.c. art. 258 do CP deve ser confirmada.”
Quanto à dosimetria da pena, ponderou a relatora: “Mantém-se a pena-base da pena corporal - fixada no mínimo legal— de 3 anos de reclusão. Deve ser readequada a pena de multa também para o mínimo (10 dias-multa)”.
“Na segunda fase, é de ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, uma vez que o réu confessou ter ateado fogo na casa das vítimas. Todavia, a pena já foi fixada no mínimo legal, e assim deve ser mantida. Conforme visto acima, a atenuante do motivo de relevante valor social ou moral não se caracterizou.”
“Na terceira fase, vê-se que se caracterizam tanto a causa especial de aumento de pena do art. 250, §1º, inc. II, alínea a quanto à do art. 258 do CP. Aumenta-se, assim, a pena-base em 1/3, em razão do art. 250, § 1º, II, a, do CP, totalizando 4 anos de reclusão e 13 dias-multa.”
“A seguir, pela qualificadora pertinente a todos os crimes de perigo comum (art. 258 do CP), aumenta-se a pena pela metade, porque resultou em lesão corporal grave em uma das pessoas presentes na residência. A pena final, assim, totaliza 6 anos de reclusão e 19 dias-multa.”
“Observo ser desnecessária a motivação acerca do quantum do aumento aplicado porque previstos em lei em percentuais fixos e não variáveis. É de ser mantido o regime inicial semiaberto. O valor unitário do dia-multa corresponderá a 1/30 do salário-mínimo (o fato de a magistrada singular não tê-lo fixado importa automaticamente na fixação no valor unitário mínimo).”
“Afasta-se a causa de aumento do crime continuado ou do concurso formal (a magistrada alude a ambos) porque um crime único foi praticado pelo réu.”
“Por todo o acima exposto, voto pelo provimento do recurso do Ministério Público, para o fim de readequar a capitulação da condenação do réu como incurso no art. 250, § 1º, II, a, c.c. 258 do CP, bem como a pena final para 6 anos de reclusão e 19 dias-multa”, concluiu a juíza relatora.
A sessão foi presidida pelo desembargador José Maurício Pinto de Almeida. Votaram com a relatora os desembargadores Lídio José Rotoli de Macedo e Lidia Maejima.
(Apelação Criminal n.º 571884-1)
Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná
Contestando a tese da defesa que buscou a absolvição do apelante (réu), sob a alegação de que ele agiu sem dolo, ou então a mitigação da pena aplicada, sob o argumento de que teria ele agido sob violenta emoção e compelido por relevante valor social ou moral, asseverou a relatora que pelas declarações do réu, em seu interrogatório, depreende-se que: “já estava separado (ao menos de fato, tanto que sempre se referiu à ex-esposa, ex-sogra, ex-sogro, etc.), não havendo que se falar em adultério; o suposto conhecimento do pretenso ‘adultério’ ocorrera no dia anterior, portanto no momento dos fatos o réu já não poderia mais invocar a pretensa violenta emoção; ademais no momento dos fatos a ex-esposa não estava no local, afastando-se também a tese de ter o réu agido compelido por motivo de relevante valor social ou moral; a conduta foi premeditada, tanto que o réu tirou gasolina do seu carro e levou-a para o interior da casa dos ex-sogros e ex-esposa; portando, não procede a tese de ausência de dolo”.
“O fato de o apelante ter jogado gasolina sobre o próprio corpo e ateado fogo em seguida não exime sua responsabilidade com relação aos fatos. Isto porque, simultaneamente, jogou gasolina também na casa, conduta esta que se subsume perfeitamente ao crime de incêndio (causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física, ou o patrimônio de outrem art. 250, caput, CP), qualificado porque provocado em casa habitada (§ 1º, inc. II, alínea a, CP) assim como pelas lesões graves causadas a sua irmã [...] (art. 258, CP). Ou seja, ao mesmo tempo em que atentou contra a própria vida (fato impunível) o réu expôs a perigo real tanto o patrimônio de terceiros, como a vida destes”, asseverou a juíza relatora.
“O fato de a seguradora ter supostamente coberto os prejuízos materiais causados à casa também não elide o delito, até porque os bens jurídicos tutelados pela norma (art. 250, CP) não se limitam ao patrimônio, mas também alcançam a incolumidade de terceiros, que foram expostos a perigo concreto.”
“Deve ser confirmada, outrossim, a qualificadora do art. 258 do CP (lesão grave), tendo em vista as lesões corporais (inclusive deformidade permanente) sofridas pela irmã do réu [...], conforme demonstra o laudo de lesões corporais de f. 51. A tese de que a qualificadora não se caracterizaria porque os ferimentos decorreriam de ato voluntário de Tatiane não pode ser acatada. É certo que ela estava presente no local dos fatos (foi para lá mandada pela mãe) e se lançou sobre o réu quando ele ateou fogo no próprio corpo, visando a salvá-lo. O ato heróico de Tatiane, e as queimaduras consequentes sofridas por ela, foram causadas de forma direta pela conduta do réu, que criou a situação de perigo e pôs em risco um bem que ela procurou proteger. No caso concreto, a irmã do próprio criminoso é que se lançou nas chamas ateadas pelo réu para salvá-lo. Mas poderia ser uma mãe tentando acudir um filho pequeno, ou um morador tentando salvar algum pertence ou até um animal de estimação. Por isso, independentemente da ‘voluntariedade’ da conduta da vítima, se ela se pôs em perigo e se lesionou ou morreu por força da situação criada por ele, a qualificadora do art. 258 do CP tem incidência.”
“Por fim, a alegação do réu de que sua sogra estava ameaçando-o e tal crime ficou impune é totalmente estranha ao feito, até porque não integrou a narrativa da denúncia. Ademais, tal fato somente teria relevância se se caracterizasse legítima defesa (o que não é o caso!).”
“Pelo exposto, a condenação do réu como incurso no art. 250, §1º, inc. II, alínea a, c.c. art. 258 do CP deve ser confirmada.”
Quanto à dosimetria da pena, ponderou a relatora: “Mantém-se a pena-base da pena corporal - fixada no mínimo legal— de 3 anos de reclusão. Deve ser readequada a pena de multa também para o mínimo (10 dias-multa)”.
“Na segunda fase, é de ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, uma vez que o réu confessou ter ateado fogo na casa das vítimas. Todavia, a pena já foi fixada no mínimo legal, e assim deve ser mantida. Conforme visto acima, a atenuante do motivo de relevante valor social ou moral não se caracterizou.”
“Na terceira fase, vê-se que se caracterizam tanto a causa especial de aumento de pena do art. 250, §1º, inc. II, alínea a quanto à do art. 258 do CP. Aumenta-se, assim, a pena-base em 1/3, em razão do art. 250, § 1º, II, a, do CP, totalizando 4 anos de reclusão e 13 dias-multa.”
“A seguir, pela qualificadora pertinente a todos os crimes de perigo comum (art. 258 do CP), aumenta-se a pena pela metade, porque resultou em lesão corporal grave em uma das pessoas presentes na residência. A pena final, assim, totaliza 6 anos de reclusão e 19 dias-multa.”
“Observo ser desnecessária a motivação acerca do quantum do aumento aplicado porque previstos em lei em percentuais fixos e não variáveis. É de ser mantido o regime inicial semiaberto. O valor unitário do dia-multa corresponderá a 1/30 do salário-mínimo (o fato de a magistrada singular não tê-lo fixado importa automaticamente na fixação no valor unitário mínimo).”
“Afasta-se a causa de aumento do crime continuado ou do concurso formal (a magistrada alude a ambos) porque um crime único foi praticado pelo réu.”
“Por todo o acima exposto, voto pelo provimento do recurso do Ministério Público, para o fim de readequar a capitulação da condenação do réu como incurso no art. 250, § 1º, II, a, c.c. 258 do CP, bem como a pena final para 6 anos de reclusão e 19 dias-multa”, concluiu a juíza relatora.
A sessão foi presidida pelo desembargador José Maurício Pinto de Almeida. Votaram com a relatora os desembargadores Lídio José Rotoli de Macedo e Lidia Maejima.
(Apelação Criminal n.º 571884-1)
Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná
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