segunda-feira, 11 de julho de 2011

Um porre de embriaguez ao volante: a segunda dose


Para continuar invoco a atenção de todos para os seguintes fatos. Entendendo que não havia prova da materialidade do delito do art. 306 da Lei n. 9.503/97, pois seu cliente não foi submetido à realização do exame de alcoolemia para demonstrar que no momento do fato a concentração de álcool no seu sangue era maior que a prevista na lei, um defensor impetrou ordem de habeas corpus perante o Tribunal do Mato Grosso do Sul. O indeferimento se processou nestes termos:

“Habeas corpus. Conduzir veículo sob o efeito de álcool. Preliminar. Via inadequada. Prefacial que confunde com mérito. Pedido de trancamento da ação. Indícios de autoria e de materialidade. Matéria fática. Inadmissibilidade de análise. Constrangimento não caracterizado. Ordem denegada. Havendo, em princípio, indícios de autoria e prova da materialidade, ainda que feita por testemunhas, nos termos do art. 277, § 2º do CTB, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.275/2006, não há falar em trancamento da ação penal por falta de materialidade” (TJMS, 1ª Turma Crim., Habeas corpus n. 2009.001854-7, rel. Des. Gilberto Castro, j. 17/02/2009).

O Desembargador Gilberto Castro apenas não se ateve a um detalhe: a regra do art. 277, § 2º da Lei n. 11.275/2006 não mais vigorava no momento da ocorrência dos fatos – conforme destacado por ele no acórdão – dia 28 de novembro de 2008 – porquanto em junho do mesmo ano a Lei n. 11.705/08 modificou a redação daquele preceito. Portanto, nenhum parâmetro diverso ao da prova pericial poderia ser utilizado para aferir a materialidade delitiva. As demais provas só passaram a ser admitidas para comprovar a infração administrativa de embriaguez ao volante (art. 165). Deste modo, o constrangimento ilegal que já era evidente tornou-se ainda maior. Mesmo sem observar esse erro crasso, a defesa impetrou nova ordem de habeas corpus visando conseguir a liberdade do paciente, porém novo indeferimento ocorreu perante o Superior Tribunal de Justiça. Textualmente:

“[...] Processual penal. Habeas corpus. Art. 306 do CTB. Alegação de ausência de justa causa para a persecução penal. Comprovação da embriaguez. Exame de alcoolemia não realizado por ausência de equipamentos na cidade. [...] Para a comprovação do crime do art. 306 do CTB, o exame de alcoolemia apenas pode ser dispensado nas hipóteses de impossibilidade de sua realização (inexistência de equipamentos necessários na comarca ou recusa do acusado a se submeter ao exame), quando houver prova testemunhal ou exame clínico atestando indubitavelmente (prontamente perceptível) o estado de embriaguez. Nestas hipóteses, aplica-se o art. 167 do CPP” (STJ, 5ª Turma, Habeas corpus n. 132.374/MS, rel. Min. Felix Fischer, j. 06/10/2009, DJ 16/11/2009).

É evidente que o Tribunal ad quem não observou o erro de fundamentação do Tribunal a quo. Ademais, em meu sentir, praticou outro grave equívoco. Infere-se que o exame de alcoolemia não foi realizado por falta de equipamento hábil na comarca de Bataguassu, interior do Mato Grosso do Sul. Mas como houve relato testemunhal, os Ministros decidiram pela presença da prova da materialidade do crime e, portanto, denegaram a ordem. Entendo que a análise é simples: o Tribunal Superior pode ter desfavorecido duplamente o impetrante, pois, primeiramente, conforme os expertos, “é sabido existirem pessoas que sofrem sérios transtornos, tanto somáticos quanto mentais, por influência de baixa alcoolemia, sem correspondência a um estado de embriaguez” (Zacharias, 1998) e, em segundo lugar, não existindo o aparelho de bafômetro nada impedia, salvo a negativa lícita do motorista, a realização de exame pericial colhendo uma amostra de seu sangue. O Tribunal da Cidadania negou efetividade ao teor do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Finalmente, questiono: a falha do próprio sistema (ausência do aparelho técnico) equivale ao desaparecimento dos vestígios de embriaguez a ponto de ser autorizada a incidência do art. 167 do Código de Processo Penal? Não obstante a Lei de Trânsito contemple a aplicação subsidiária das normas processuais (art. 291, caput), o preceito remetido deve ser interpretado com absoluta reserva para que o exame de corpo de delito não seja substituído indevidamente pela prova testemunhal, como de fato ocorreu no caso especifico. Ademais, doutrina Heráclito Mossin que “se a inspeção não pode ser realizada porque por incúria da pessoa interessada ou da autoridade a quem incumbia produzir a prova os vestígios desapareceram, não pode essa inspeção ser substituída pela prova testemunhal, pois não se verifica na espécie fato absolutamente invencível” (Mossin, 1998).

Nenhum comentário:

Postar um comentário