De repente, a enfermeira M. R. A., vítima de um assalto em 2001 em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, parou de folhear o álbum que lhe entregaram na delegacia, apontou uma das fotos e disse: “Foi este aqui!”.
O motorista Fabiano Ferreira Russi , então com 25 anos, não tinha ideia do que estava acontecendo quando, dias depois, recebeu a visita de um oficial de Justiça que o intimou a comparecer ao fórum. Sem experiência em abordagens oficiais nem dinheiro para contratar advogado, ele recebeu voz de prisão, foi indiciado, processado e passou quatro anos “por engano” na cadeia.
Tudo começou em um domingo de junho de 1998, quando o ônibus que levava Fabiano e um grupo de ruidosos torcedores do Santos ao Estádio do Morumbi foi parado pela polícia. “No meio da revista, soltaram um rojão e policiais quiseram saber quem foi. Como ninguém respondeu, foram todos levados para o distrito. Eram mais ou menos uns 30.”
Na delegacia, antes de liberar o grupo, o delegado anotou os números de RG dos detidos e mandou bater suas fotografias. Fabiano, que nunca tinha tido passagem pela polícia ou se metido em confusão, virou bandido três anos depois. A acusação: ter abordado a enfermeira com um comparsa em Taboão por volta das 21h30 de 17 de outubro e a baleado no joelho. Além dela, uma amiga estava no local no momento do crime.
Na hora aproximada do assalto, Fabiano trabalhava como manobrista e mensageiro em um hotel quatro estrelas na Vila Madalena, zona oeste da capital. Pelo menos duas testemunhas e um registro na folha de ponto atestaram. “Nem que quisesse, ele conseguiria ir de Vila Madalena a Taboão da Serra a tempo de cometer o crime”, argumenta a defensora pública Maíra Coraci Diniz.
Pesadelo. No fórum, o pesadelo apenas começava. “Sem eu saber o motivo, eles me deram voz de prisão. Falaram do assalto, eu disse que estava trabalhando. O juiz pediu que eu solicitasse, por telefone, comprovação do RH. O funcionário disse que precisava da autorização do gerente. E o gerente, a do dono. O dono ficou com medo de ver o hotel associado a escândalo e não mandou.”
O juiz então avisou que, enquanto o hotel não se pronunciasse, Fabiano “ficaria recluso”. Após ser intimado, o hotel enfim enviou a comprovação. Fabiano, então, assinou um documento se comprometendo a comparecer no fórum para as audiências. No dia seguinte, foi demitido.
Na audiência de acusação, foi reconhecido de novo pela enfermeira - desta vez por trás de um vidro espelhado. Segundo a defensora, embora esse tipo de reconhecimento determine a presença de mais de dois suspeitos, no caso de Fabiano, “era ele e ele”. “O pior é que, da primeira vez, pela foto, ela disse que o assaltante tinha estatura mediana. Meço 1,90 m”, diz o motorista.
Casado com uma cabeleireira, quatro enteados, Fabiano é filho de um metalúrgico e uma dona de casa e diz que os pais ficaram em estado “deplorável”.
Na audiência de defesa, uma das testemunhas “mudou de ideia” e disse que “não tinha certeza” de que Fabiano estava mesmo trabalhando em 17 de outubro. “Contratei um advogado que era cliente da minha mulher. Mas ele era tributarista e disse que não poderia fazer muito. Criminalista custava R$ 20 mil, R$ 30 mil, não tinha esse dinheiro.”
Para completar, a enfermeira passou a dizer que ele a estava ameaçando. Fabiano diz que jamais viu o rosto dela. “Ela mora na mesma cidade, mas não tenho vontade de procurá-la. Melhor deixá-la viver a vida dela.”
Condenado em 2005, ele entrou com recurso e ficou em liberdade. Em 2007, perdeu a apelação: o primeiro desembargador votou favoravelmente a ele, o revisor foi contra e o terceiro o condenou.
Cadeia. Fabiano passou 11 dias no DP de Taboão da Serra, três meses no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Itapecerica da Serra, onde 37 pessoas ocupavam cela para 12, e três meses no CDP de Parelheiros. Em seguida, ficou 2,5 anos em penitenciária na divisa com Mato Grosso. Nesse tempo, leu sobre processos, estudou Código Penal e escreveu carta ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) - que foi parar na mesa de Maíra. “Em Taboão não há Defensoria Pública. Senão, ele teria sido assistido na primeira vez em que esteve no fórum por um advogado.” Maíra diz que recebe muitas cartas como a de Fabiano. “No desespero, injustiçados escrevem a ministros do STF, ao presidente da República, ao papa.”
Em 2009, após fazer prova do Enem e lecionar em fundação de amparo ao preso, ele ganhou direito de cumprir pena no semiaberto. Está livre desde 13 de outubro. Pelos anos perdidos na cadeia, os salários que deixou de ganhar, as sequelas em sua história, Fabiano quer ser ressarcido. “Aprendi que existe classe rica, média, pobre e a dos presidiários. Esses não têm suporte nenhum para reintegração, ressocialização, nada.”
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo
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