quarta-feira, 14 de março de 2012

Medidas de segurança

Uma pequena introdução. A original Parte Geral do Código Penal previa dispositivo que estabelecia que as medidas de segurança, espécie de conseqüência à ação infracional, seriam executadas por tempo indeterminado (art. 81). Com a reforma penal de 1984 e, neste mesmo ano, com a entrada em vigor da Lei de Execução Penal, o regulamento das medidas de segurança com tempo indeterminado não se alterou (art. 97, § 1º), sendo possível, inclusive, a substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança se, no curso da execução, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental do condenado (art. 183 da Lei n. 7.209/84). Idêntica previsão se encontra no Código Penal Militar (art. 112, § 1º).

Uma única pergunta: esses preceitos não se revelam ilegítimos constitucionalmente? É de conhecimento notório que a aplicação de medida de segurança decorre da imposição de uma sentença absolutória imprópria na qual não há a fixação de uma pena in concreto. E justamente em razão desse fator incide a questão de saber qual o tempo máximo de cumprimento da medida de segurança. Destaco as teses suscitadas pelos Tribunais Superiores:

a) O Supremo Tribunal Federal firmou seu entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é de trinta anos, seguindo o teor do art. 75 do Código Penal; [1]

b) O Superior Tribunal de Justiça, por maioria, entende que a medida de segurança perdura enquanto não for apurada a cessação de periculosidade do agente; [2]

c) Porém, outro entendimento foi exposto pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que deve haver um limite para a duração da medida de segurança, regulando-se este pelo máximo de pena cominada abstratamente ao delito, pois a Constituição veda penas de caráter perpétuo e a medida de segurança é espécie de sanção penal [3].

Entendo que sob pena de violação do princípio de proibição de excesso deve existir um limite temporal para cumprimento da medida de segurança embora os expertos atestem que a periculosidade do agente não tenha cessado. Logo, de plano descarto a primeira tese do STJ (b), porque do contrário desconsideraria o preceito constitucional que impede a perpetuidade das sanções penais (art. 5º, XLVII, b). Mas também não credito nenhuma confiança às outras duas teses porque vislumbro ofensa ao princípio constitucional da isonomia. Não saberia a razão de, considerando o prazo de cumprimento da coação, ao inimputável se deva seguir o limite máximo de pena abstratamente cominada ao delito (c) ou o limite de trinta anos (a) e ao agente imputável se deva considerar a pena que lhe é imposta na decisão condenatória.

Exemplifico com o crime de homicídio simples (art. 121, caput): enquanto o imputável poderá ficará no cárcere pelo tempo de pena fixado na decisão que, salvo caso de cinema, não alcançará o máximo cominado abstratamente, o inimputável deverá cumprir vinte anos de internação (c) ou trinta anos (a) segundo as teses dos Tribunais Superiores. Penso ser clara a violação do princípio da isonomia e, por esse forte motivo, sugiro um novo entendimento.

O prazo máximo de cumprimento da conseqüência de uma infração penal deve ser idêntico aos agentes, imputáveis ou inimputáveis. Assim, entendo que se deva seguir em relação aos inimputáveis uma pena que hipoteticamente seria imposta aos primeiros, mas considerando as circunstâncias em que o delito fora perpetrado pelos últimos. Entretanto, a igualdade pleiteada dependeria de um segundo elemento: coragem.

Coragem para o juiz dizer que mesmo não cessada a periculosidade do agente no prazo da pena hipoteticamente fixada, que o caso não é mais um caso penal, mas de saúde pública e assim deva ser tratado, optando-se ou pela adoção da desinternação progressiva com procedimento previsto na Lei n. 10.261/01 nos casos em que ainda permaneça o transtorno mental ressaltando-se, evidentemente, que o tratamento realmente possa se realizar em condições dignas em hospital psiquiátrico ou procedendo à interdição daquele nos termos da lei civil (art. 1767) sem olvidar, inclusive, que o interditado somente poderá ser recolhido ao estabelecimento adequado (se é que existe!) quando não se adaptar ao convívio doméstico [4].


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[1] A propósito, entre muitos precedentes: 1ª T., HC n. 98.360/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 23/10/2009.

[2] Nessa linha, especialmente os julgados da 5ª Turma: HC n. 113.998/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 16/03/2009; ou HC n. 113.459/RS, rel. Min. Jane Silva, Desembargadora convocada do TJMG, DJ 10/11/2008. Consideraram o art. 97, § 1º do CP: “a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade”.
[3] Nesse sentido, inicialmente com precedente da 6ª Turma: HC n. 121.877/RS, relª. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 08/09/2009. Após com manifestação também pela 5ª Turma: Resp n. 1.103.071/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 29/03/2010. Utilizaram o art. 109 do CP, antes da Lei n. 12.234/2010: “a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo de pena privativa de liberdade cominada ao crime […]”. E na doutrina: QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009: “cumpre redargüir que em homenagem aos princípios da igualdade, proporcionalidade, humanidade e não-perpetuação das penas, não se justificam, numa perspectiva garantista, que estas sanções possam durar indefinidamente, enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessão da periculosidade, razão pela qual não podem jamais exceder o tempo de pena que seria cabível na espécie”.

[4] Destaco os preceitos mais relevantes do Código Civil: “Estão sujeitos a curatela aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil” (art. 1767, I). A interdição será promovida pelo Ministério Público (art. 1768, III). “O Ministério Público só promoverá a interdição em caso de doença mental grave, se não existir ou não promover a interdição os pais, os tutores, o cônjuge ou qualquer outro parente” (art. 1769). “Os interditos serão recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptaram ao convívio doméstico” (art. 1777).

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