sexta-feira, 16 de março de 2012

Princípio da legalidade

Uma vez respeitadas as considerações de política criminal, a intervenção penal se realiza com a observância do princípio da legalidade. Ele representa a legitimação formal do Direito penal pela ordem constitucional e foi lapidado na formula latina “nulla poena sine lege, nullum poena sine crimene, nullum crimen sine poena legalis” (Feuerbach, 1810). [1]

Para dar à fundamentação ao princípio o devido cuidado proponho a sua análise como princípio reitor da atuação legislativa em duas frentes: o princípio da legalidade criminal e o princípio da legalidade penal. Representa que ninguém poderá ser punido criminalmente por uma conduta que na época de sua ação ou omissão não era relevante ao Direito penal e que ninguém poderá responder por sanção penal diversa àquela que, como responsável exclusivo, o legislador cominou no tipo penal.

O fundamento político-liberal do princípio da legalidade criminal aperfeiçoa-se na exigência da garantia acima mencionada e que consiste na impossibilidade do Direito penal gerar intranqüilidade social no sentido de que ninguém pode responder por uma conduta que à época de sua realização não era prevista como crime. [2] O agente não pode ser surpreendido com eventual incriminação a posteriori pela prática de ação ou omissão apenas realizada pela convicção de sua licitude, porquanto, do contrário, haverá negação do princípio da dignidade humana. A propósito, afirmava Franz Von Liszt que as leis criminais constituíam a “Magna Charta libertatum dos delinqüentes”, isto é, uma garantia dos direitos do homem em face da expansiva autoridade estatal incriminadora.

No plano das fontes, como doutrina Faria Costa, “o princípio vem a traduzir-se em uma reserva de lei” [3]. Nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, é competência privativa da União legislar sobre Direito penal. Trata-se da fonte material do Direito penal. Significa que nenhuma unidade da federação poderá promulgar leis criminais, sendo a razão simples e de cunho político: somente o Congresso Nacional reflete a vontade da nação como um todo. Do procedimento legislativo provém a fonte formal do Direito penal. Trata-se da lei – leia-se – lei em sentido estrito (art. 5º, II). Portanto, os decretos, os princípios gerais e os costumes não constituem fontes formais [4]. Atente, assim, que o princípio da legalidade criminal além de estatal – e não estadual – é também formal.

A idéia central, portanto, é que em um Estado de direito liberal e democrático, fruto do movimento iluminista, não se pode permitir que um poder estranho ao legislativo realize a atividade de estipular leis incriminadoras. Mas como fazem Marinucci e Dolcini, deve-se questionar se essa reserva de lei seria realmente absoluta, relativa ou poderia ser tendencialmente absoluta? [5] Em outros termos, a determinação dos elementos do crime está reservada somente à esfera legislativa ou essa determinação poderá ser transferida à fonte de nível inferior ou a fonte infralegislativa só poderia especificar num plano técnico os elementos do delito individualizados em lei?

A resposta é no sentido de uma reserva de lei tendencialmente absoluta. Sigo com o delito de tráfico de drogas para tocar com as mãos essa situação. Trata-se de crime que está disciplinado sob o contexto de dezoito núcleos, mas o que se entende por substância tóxica não está fixado no preceito primário do art. 33 da Lei n. 11.343/06. É uma portaria do Ministério da Saúde, órgão do Poder Executivo, que descreve com base no princípio ativo as substâncias consideradas tóxicas (art. 66). Observe que existe a intervenção do Poder Executivo, porém limitada a nomear num plano técnico um elemento do delito já descrito pelo legislador. É possível dizer, portanto, que se trata apenas de uma integração técnica normativa que não comporta escolha política.

A remissão a um ato geral e abstrato do Executivo dá-se, geralmente, nos casos de normas penais em branco, aquelas que precisam ser complementadas em seu preceito primário, pois formulado como uma proibição genérica. Resta saber se esse tipo de norma seria compatível com o princípio da legalidade criminal? Existem argumentos favoráveis e desfavoráveis à constitucionalidade.

Invoca-se a inconstitucionalidade por dois fatores principais: a) afronta ao princípio da separação de poderes, pois, regressando ao exemplo anterior, é o Ministério da Saúde, órgão do Poder Executivo, através de portaria, que está “legislando” sobre as substâncias que devem ser consideradas ilícitas; e, b) remissão do complemento à norma de natureza inferior àquela que define o crime, ou seja, o tráfico de drogas é crime previsto em lei, mas é uma portaria que define as substâncias proibidas. A meu ver, contudo, por duas razões deve prevalecer a tese da constitucionalidade. Justifico.

Em primeiro lugar, pois o legislador – que já tem pequena capacidade de legislar – não tem nenhuma capacidade técnica para definir o elenco das substâncias consideradas proibidas. Em segundo lugar, porquanto seria impossível a publicação de uma lei penal a cada oportunidade de inovação de substância proibida. Aliás, precisamente como ensina Cerezo Mir, “pelo caráter extraordinariamente cambiante da matéria objeto de regulamentação admite-se a intervenção do Poder Executivo” [6]. Semelhante à doutrina do professor espanhol é o magistério de Faria Costa, apenas com a ressalva que a norma convocatória de seu complemento revista essencialmente a forma de lei [7]. Essa operação revela a tendência contemporânea da “administrativização do Direito Penal” [8].

Resta-me, ainda, a tarefa de destacar a vinculação legislativa com o princípio da legalidade criminal. Nesse aspecto, primeiramente, destaco que a norma incriminadora deve ser a mais precisa possível, pois quando vaga ou obscura acaba por “não proteger o cidadão da arbitrariedade, porquanto não implica uma autolimitação do ius puniendi estatal ao qual se possa recorrer” [9] e por “favorecer interpretações idiossincráticas” [10]. Significa que uma má disciplina legislativa faz do togado o real legislador violando as garantias de liberdade e segurança que devem acompanhar os particulares em termos criminais.

Posto isso, para uma definição criminal precisa duas técnicas legislativas devem ser seguidas. A primeira diz respeito à invocação casuística. Afasta-se, por conseguinte, um recurso a cláusulas gerais e, portanto, é menor a margem de equivocidade por parte do magistrado. Exemplifico: o art. 129, § 2º do Código Penal diz que a lesão corporal é de natureza grave (gravíssima, pela terminologia doutrinária) “se resulta incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; e, aborto”. Embora seja considerada uma melhor técnica se comparada à adoção de cláusulas gerais, destaco que da invocação casuística decorrem dois problemas. O primeiro se refere ao “peso físico” do preceito, isto é, o casuísmo acaba por “engordar” a lei criminal em demasia. O segundo alude ao risco de eventuais lacunas, intencionalmente deixadas em aberto pelo legislador ou como resultado de situações posteriores, serem preenchidas pela atividade judicial.

Explico detidamente essa situação. Na hipótese de lacuna originária nenhuma conseqüência decorre da atuação dos magistrados, porque configura situação de interpretação analógica, como, por exemplo, quanto aos meios de prática do homicídio qualificado: cometido com emprego de veneno, explosivo, asfixia, tortura ou qualquer outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (art. 121, § 2º, III). Na segunda situação, de lacuna derivada, somente o legislador pode preenchê-la sob pena de se reconhecer a possibilidade de aplicação pelo direito penal da analogia in malam partem. Exemplifico: atente ao caso do casamento e da união estável, pois o texto constitucional, para efeitos penais, equipara as duas entidades familiares (art. 226, § 3º). Logo, o casado que passar a viver maritalmente com outra mulher não responderá pelo crime de bigamia (art. 235), como não responde por este crime a mulher que contrai um casamento, mas que anteriormente vivia em união estável. Veja-se, assim, que atualmente se verifica uma situação que era marginal ou mesmo inexistente quando da promulgação do Código Penal em 1940. Porém, como adiantado, apenas o legislador poderá preencher essa lacuna sob pena de legitimar a aplicação da analogia incriminadora.

A segunda técnica para uma formulação precisa da norma penal incriminadora se refere à utilização de conceitos legislativos. São inúmeros os exemplos previstos na Parte Geral do Estatuto Penal: quanto ao tempo do crime (art. 4), ao território (art. 5, § 1º), ao lugar do crime (art. 6), ao crime consumado (art. 14), etc., mas também na Parte Especial, como o conceito de casa (art. 150, §§ 4º e 5º) ou de funcionário público (art. 327).

A precisão da norma também ocorre com o emprego de conceitos descritivos e com conceitos normativos. Os primeiros dizem respeito ao mundo externo ou natural e são percebidos empiricamente. Por exemplo: matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após (art. 123). Porém alertam Marinucci e Dolcini: “o emprego de conceitos descritivos não garante por completo o respeito à precisão” [11]. Os penalistas italianos têm razão, pois há várias zonas cinzentas no preceito. Primeiro, pois se exige a morte do nascente ou do recém-nascido, mas não se precisa quando ocorre o término da vida. Depois, não descreve em qual nível de estado puerperal deve encontrar-se a mulher. Por fim, não informa o limite temporal que possa caracterizar o delito quando a vítima é um recém-nascido. Tome-se outro exemplo, como a infração de incêndio (art. 250). Trata-se de descrição aberta, pois não obstante perceptível ao sentido, o que é necessário para expor a perigo um grupo indeterminado de pessoas? Igualmente, quantas pessoas são necessárias para se falar da presença de um grupo? Essas perguntas apenas alcançam resposta por meio da interpretação penal.

Os segundos (conceitos normativos) podem ser provenientes ou de normas jurídicas ou de normas extrajurídicas. Na primeira derivação, por exemplo, o conceito de “alheia”, com o qual se precisa o crime de furto (art. 155), invoca a noção civilística de propriedade (art. 1228). Mas os elementos definidores de uma espécie de delito também podem ser precisados valendo-se o juiz de uma norma jurídica penal, como no caso dos crimes omissivos impróprios, quando valora o poder-dever de agir do agente com respaldo no art. 13, § 2º do Código Penal. Trata-se de uma modalidade de “tipo penal aberto” [12].

Na segunda derivação, em geral a precisão é respeitada quando o reenvio se refere a normas técnicas, como as previstas na lei de trânsito e cuja violação integra a negligência, por exemplo. Trata-se de outro exemplo de tipo penal aberto. Ao contrário, a precisão tende a ser violada nos casos da individualização do crime depender do reforço de normas ético-sociais, pois como será possível definir ultraje público ao pudor em uma sociedade nada homogênea? A eventual imprecisão do crime de ato obsceno (art. 233), por exemplo, acaba compensada porque as normas ético-sociais se constituem em instrumentos que permitem ao juiz definir a particular cultura de que é portador o transgressor do tipo penal. Assim, por exemplo, o desfile sensual na passarela de samba no carnaval ou o nu total no verão em uma praia de nudismo não constituem ações aptas à incriminação pelo tipo legal. O mesmo se dizia em relação à existência generalizada de motéis e a não punição de seus proprietários pelo delito de casa de prostituição (art. 234) [13]. Nessa seara ainda emergem os “crimes culturalmente motivados” [14] praticados, especialmente, por imigrantes provenientes de países em que a visão cultural é diversa à brasileira. Este fenômeno, se não conduzir à atipicidade penal, deve ao menos ser aferido como uma circunstância atenuante do delito (art. 66). Pense-se, por exemplo, na bigamia (art. 235) praticada por um árabe que constitui matrimônio no Brasil já sendo casado em seu país de origem, e sendo este casamento válido perante a nossa legislação civil, ou no crime de maus-tratos (art. 136) praticado pelo pai paquistanês contra sua filha que insiste em usar roupas não adequadas à religião mulçumana em razão de nossas telenovelas.

A norma incriminadora, além de precisa, deve ser determinada, no sentido de revestir uma taxatividade. Tal técnica, com efeito, obsta a aplicação da analogia incriminadora por parte do juiz, ou seja, a aplicação da lei a fatos não previstos, porém semelhantes aos previstos, sob a base de uma mesma ratio. Sobre a taxatividade, inclusive, uma última observação é necessária. Por evidente, se quanto mais determinada é a lei criminal menos espaço há à analogia, não pode o legislador conferir ao magistrado uma “carta branca” para este efetuar a aplicação direta da analogia, ou seja, não se pode legislar um tipo legal de crime prevendo a analogia expressa [15].

A segunda frente do princípio da legalidade se refere às conseqüências da prática de uma ação criminosa. Com Beccaria se infere que “somente as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis não podia ser senão da pessoa do legislador, pois representante de toda a sociedade por meio de um contrato social” [16]. Significa que o princípio da legalidade penal também carrega consigo uma “exigência de garantia” [17] que se deduz da fórmula “não há pena sem prévia cominação legal”.

Portanto, deve ser o legislador, e somente ele, o responsável por cominar as penas aos tipos penais. Por certo, como todo poder estatal deriva do povo, o legislador ordinário não pode recorrer à pena como instrumento de retribuição, não pode utilizar a pena para consagrar uma idéia superior de justiça, retribuindo o mal do crime com o mal da pena, mas, ao contrário, deve pautar a cominação em algum propósito social. As ideologias de Kant e de Hegel devem ser abandonas em prol da prevalência de que as funções da pena podem ser tão-somente de cunho preventivo [18].

No âmbito da atividade legislativa o fim da pena é de prevenção geral, contudo, para Claus Roxin, não está fundada na idéia de intimidação, porém de reafirmação do direito [19]. A estratégia é bastante simples: o Estado assegura a tutela de bens jurídicos e exige que cada cidadão não se porte contrário a estes interesses, pois se atuar de maneira lesiva ou perigosa será responsabilizado para o restabelecimento da ordem jurídica. Destaco, entretanto, que a escolha da pena a ser cominada para reafirmação do direito não pode prejudicar um dos níveis da prevenção especial que irá pautar a atividade judicial. Assim, a liberdade de defini-las não pode ultrapassar a proibição constitucional [20].

Também em relação ao princípio da legalidade penal o legislador deve observar as técnicas de precisão e determinação. Contudo, por vezes isso não se verifica, pois ou o legislador não comina expressamente a espécie de pena ao delito ou tão-somente comina um quantum máximo de pena. Trata-se das normas penais imperfeitas. Ressalto que a ilegítima constitucionalidade é facilmente superável, porquanto o legislador ordinário remete a punição da infração à outra norma penal. Exemplifico. No crime de uso de documento falso (art. 304) não existe previsão expressa de nenhuma espécie de pena, sendo que o legislador remete a sua punição, por exemplo, às espécies de penas cominadas ao crime de falsificação de documento público (art. 297) ou de documento particular (art. 298) ou de falsidade ideologia (art. 299) [21]. Em vários delitos do Código Eleitoral (arts. 289, 290, 291, etc.) o legislador não prevê expressamente aos respectivos tipos penais um mínimo de pena a que o juiz está vinculado, mas o faz de forma única, frisando que o limite é variável de acordo com as espécies de pena privativa de liberdade, ou seja, “de quinze dias para a de detenção e de um ano para a de reclusão” (art. 284) [22].

Mas por vezes há situações em que o legislador prevê expressamente as espécies de pena, mas não fixa com precisão o seu conteúdo. São os casos, a meu ver, de normas penais com diferença elástica entre o limite mínimo e o limite máximo de sanção e as normas penais sem determinação do quantum máximo de pena. Estes casos, por constituírem excessos da parte do legislador e que podem conduzir a uma ilegalidade constitucional não apenas aparente trabalharei quando estudar o controle da atividade legislativa por intermédio do Poder Judiciário. Mas isso fica para outro momento!
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[1] Historicamente há quem doutrine que a primeira revelação do princípio derivou da Charta Magna ou Charta libertatum inglesa de 1215, outorgada aos nobres pelo Rei João sem Terra. Todavia, o art. 39 do antigo documento apenas reconhecia que a vontade real deveria estar sujeita à lei, ou seja, destacava o juízo legal. A propósito: MARTÍNEZ, Rosario. El Principio de la Legalidad. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p. 16 e ss. Destacando que o preceito referido continha “a ideia fundamental da limitação da autoridade estatal em face da liberdade individual, que, no século XVII, seria desenvolvida com Jonh Locke e depois, no século XVIII, Montesquieu configuraria no seu famoso O Espírito das Leis”, consultar: HOFFBAUER, Nelson Hungria. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. Com o publicista francês, inclusive, nasceu a doutrina da divisão de poderes como forma de impedir a usurpação da função exclusiva do Legislativo. Em síntese, apenas a letra da lei pode dizer o que é proibido. Esta tese é reforçada posteriormente com a monumental obra Dos Delitos e das Penas publicada por Cesare Beccaria em 1764. Portanto, constata-se que a doutrina da legalidade é fruto do Ilumismo. Nesse sentido, entre outros: PULITANÒ, Domenico. “Sull’interpretazione e gli interpreti della legge penale”, em Studi in Onore di Giorgio Marinucci. Milano: Giuffrè, 2006. A respeito da atualidade da obra de Beccaria, consultar: COSTA, José de Faria. “Ler Beccaria Hoje”, en Boletim de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74. Coimbra, 1998. Delimitando o princípio como a “matriz política institucional” no sentido que a produção da lei penal é monopólio do poder representante da vontade popular segundo à Constituição: MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009. Há controvérsia sobre qual o primeiro Código Penal a incorporar o seu conteúdo, informando Nilo Batista tratar-se do Código Penal da Áustria (1787). Vide: BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro, 2007, p. 66. Por tradição, no Brasil, o princípio da legalidade é uma garantia constitucional e uma norma penal. Presente desde a Constituição de 1824 (art. 179, III) sofreu variações nas posteriores (1891, 1934, 1937 e 1946). O Código Criminal do Império de 1830, aliás, foi o primeiro Código autônomo da América Latina que previu o princípio. Também estava previsto no Código Penal da República (1890). Atualmente a fórmula está positivada no Código Penal (art. 1°) e no texto constitucional (art. 5°, XXXIX).

[2] Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 182, disserta que “um agente somente pode ser punido por um fato descrito como crime por uma lei anterior ao momento de sua prática”.

[3] COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 129

[4] BOCKELMANN, Paul; VOLK, Klaus. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Gercélia Batista Mendes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 19, afirmam “proíbe-se a criação de novos tipos penais com base no direito consuetudinário. Este surge a partir de costume duradouro e praticado na convicção jurídica das parcelas da população interessadas na regulação legal e que tomam parte nessas práticas, como, por exemplo, o não-pagamento de uma dívida não é, contrariamente à opinião geral, punível”. Não podem ser considerados fontes legitimadoras da norma criminal por três motivos. O primeiro – e fundamental – porquanto não emanam do poder de representação popular, pois “não se pode aceitar a sobreposição do sentido social ao sentido legal, pois não faz qualquer sentido no âmbito do Direito penal”. Nesse sentido: FARIA, Maria Paula Bonifácio Ribeiro. Adequação Social da Conduta no Direito Penal ou o Valor dos Sentidos Sociais na Interpretação da Lei Penal. Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 799. Em segundo lugar, porque são vagos e indeterminados. Finalmente, porque não se pode esquecer a exigência de uma lei escrita, certa e prévia. Isso não significa, contudo, que eles são escassos de valor jurídico. No sentido de servirem como um meio de “densificação do conteúdo de conceitos normativos de que a lei se serve ao descrever os seus tipos legais de crime, como, por exemplo, a noção de pudor”, vide: COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 133. Sobre a capacidade de permitirem a redução das margens de criminalização recomendo a leitura dos autores alemães. Em síntese, aduzem que os costumes podem limitar a punibilidade de algumas condutas. Textualmente: “aqui repousa a faculdade da jurisprudência de desenvolver causas de justificação e absolvição supralegais”. Essa relevância também é destacada pelos penalistas italianos especialmente no que se refere aos crimes contra a família. Por todos, por exemplo: PISAPIA, Domenico. “Evoluzione del costume e riflessi penalistici”, in Studi in Memoria di Pietro Nuvolone. Milano: Giuffrè, 1991, p. 169, do qual se extrai de forma literal que foi “a intervenção do Tribunal Constitucional Italiano declarando a igualdade jurídica entre os cônjuges que determinou a ilegitimidade da incriminação do adultério”. Mas é importante destacar que a repetição constante e uniforme de uma conduta não tem o poder de derrogar uma lei escrita. Portanto, a lei criminal apenas pode ser revogada, total ou parcialmente, por outra lei criminal, mas jamais por meio de um costume. Legitimando essa afirmação, entre os italianos: PETROCELLI, Biagio. Principi di Diritto Penale. Napoli: Jovene, 1955; e, entre os portugueses, aduzindo que não é somente a atividade legislativa de criminalização dependente de lei formal, mas também a atividade de descriminalização, vide: MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra, 2005. Eis porque se pode mencionar um “princípio de identidade dos modos de legislar, quer quanto à criminalização, quer quanto à descriminalização”. Nesse sentido, taxativamente: COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 131.

[5] MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 45.

[6] CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español. Parte General. Madrid: Tecnos, 1997, p. 156.

[7] COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 131-132.

[8] SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 50.

[9] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte Generale. Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito. 2ª ed. Trad. Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 169.

[10] SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 23.
[11] MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 49.

[12] Welzel, Hans. Direito Penal. Campinas: Romana, 2003, p. 50.

[13] Santos, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 22.

[14] Marinucci, Giorgio; Dolcini, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè 2009, p. 51.

[15] Emblemático, nesse sentido, era o texto do delito de redução a condição análoga à de escravo (art. 149). Antes da alteração ocorrida com a Lei n. 10.803/03 “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” era ação punida com pena de reclusão, de dois a oito anos. Este dispositivo violava o princípio da legalidade, pois o legislador não indicava quais eram as condições análogas à escravidão. Era uma norma aberta e que antecipava a aplicação da analogia pelo juiz. Assim, por ser absolutamente insustentável sob um viés constitucional foi objeto de reforma. A redação atual é legítima porque formula norma penal em que se vinculam quais são as situações de redução a condição análoga à de escravo: submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitando-o a condições degradantes de trabalhos, etc.

[16] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.


[17] MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 51.

[18] Informando que a forma mais primitiva de compensação foi a Lei de Talião: MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio.Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 4. O fundamento desta teoria provém do idealismo kantiano que orientava seus ideais na consagração da justiça, ou seja, a pena prevalece como resultado da idéia de justiça ou, pune-se, porque é justo punir, sem qualquer finalidade ulterior. Em síntese, puni-se com olhos voltados apenas ao passado. Elucidando que “a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação ou na compensação do mal do crime. Se, apesar de ser assim, a pena pode assumir reflexos socialmente relevantes, nenhum deles contende com sua essência e natureza, nem se revela suscetível de modificá-la: essa essência e natureza são exclusivas do fato que (no passado) se cometeu, é a justa paga do mal com que o crime se realizou, é o justo equivalentedo dano do fato e da culpa do crime”, vide: DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 52. Ainda vale transcrever parte de nota explicativa redigida por FRAGOSO no qual enuncia discurso de HUNGRIA quando das Jornadas de Derecho Penal realizadas em Buenos Aires em 1960: “também eu fui partidário convencido da pena-retribuição. Como tal fui um dos autores de um Código eminentemente retribucionista, que é o nosso Código. Mas a lição e a experiência dos acontecimentos do mundo atual me levaram a uma revisão do meu pensamento, para renegar, para repudiar, de uma vez para sempre, a pena-castigo, a pena-retribuição, que de nada vale e é de resultado ineficaz. A pena-retributiva jamais corrigiu alguém”. Assim: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 14.

[19] ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Trad. Ana Paula Luís. Lisboa: Vega, 1993, p. 33. Na teoria da prevenção geral, em síntese, a pena se legitima como um meio de orientação de condutas futuras aos outros membros da comunidade. Primeiro sob um aspecto negativo, ou seja, de intimidação ou de medo, no qual é um mecanismo psicológico que visa, em definitivo, afastar o impulso à delinqüência. Depois, com aspecto positivo, revelando a atuação estatal à comunidade. Ao assumir a orientação cultural da coletividade acaba por reforçar a confiança desta quanto à missão estatal de proteção de bens jurídicos. O conhecimento pelos membros da comunidade das normas jurídicas é uma condição de efetividade da teoria da prevenção geral, mas não a única, porquanto a certeza da punição dentro de um prazo legal também é imprescindível. Salientando o aspecto da infalibilidade da pena: “a certeza do castigo, ainda que pequeno, uma vez aplicado, tem maior efeito do que a não aplicação de uma grande pena”, vide: BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

[20] “Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis” (art. 5º, XLVII).

[21] No mesmo sentido em relação ao delito de genocídio previsto no art. 1º da Lei n. 2.889/56: “quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. Será punido: com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; com as penas do art. 270, no caso da letra c; com as penas do art. 125, no caso da letra d; com as penas do art. 148, no caso da letra e”.

[22] No Código Penal Militar infere-se a mesma técnica, informando o legislador em preceito distinto aquele no qual define às infrações militares que “o mínimo da pena de reclusão é de um ano e o mínimo da pena de detenção é de trinta dias” (art. 58). Também nesse caso não há inconstitucionalidade.

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